quinta-feira, 12 de setembro de 2024

O bem, o mal e a realidade

 Lá venho eu, novamente filosofar sobre coisas infilosofáveis. Mas eu não vou falar sobre o bem e o mal, vou falar sobre a realidade. 

A realidade é filosofável, mas sempre depende de um ponto de vista, já que não existe por si só. E é por isso que temos pessoas acreditando que a Terra é plana, criacionismo e teorias de conspiração por aí. A realidade só existe porque você a afirma do seu ponto de vista.

Ah, isso não significa que você pode chegar e dizer que a sua nota baixa na escola não existe porque você não a reconhece como realidade. Ou a sua dívida no cartão de crédito não existe, porque você não a vê. O buraco da realidade é muito mais fininho que isso. 

Trata-se de perceber o que acontece, pelos cinco sentidos e pela mente. É simples, na verdade. 


Visão: não podemos desver o que já vimos

Você pode até fechar os olhos, mas já era. Você viu, está visto e percebido. Virou realidade. Então, mesmo que você perceba que não queria ter visto e tente esquecer, o fato é que seu corpo ainda vai lembrar. Porque temos neurônios lembradores no corpo todinho. É! Não apenas no cérebro. 


Paladar: o bem e o mal existem e você pode escolher?

Parafrasear a música dos Titãs é divertido. Mas o bem e o mal não existem. Existe só a percepção pessoal sobre essas duas coisas. Se você questionar pra valer, vai perceber que as ações são boas e más ao mesmo tempo. Tipo, se eu coleto uma fruta na floresta para comer, estou tirando o alimento de outros seres que poderiam se alimentar. Me alimento e é bom, tiro o alimento de outros, é mal. 

Poxa, que complexo! É mesmo! E só pra dar na cara dos que se acham muito bonzinhos. 


Audição: eu ouço gente morta!

Sabiam que os sons do espaço que ouvimos com aparelhos especiais, são, na verdade, sons de ações ocorridas há centenas de milhares e zilhares de anos? A audição é uma percepção do corpo bastante influenciada pelo espaço no qual são produzidos. 

Os sons se deturpam com a acústica, viajam quilômetros no ar, confundem nosso sentido. Eu costumo ouvir em casa um ruído constante que não faço ideia de onde vem. Às vezes me dá uma agonia por não saber de onde vem e como parar, mas antes que isso vire esquizofrenia, prefiro parar de pensar. 


Tato: você só existe se é tocado

Sempre me lembro da história de uma criança que não enxergava, nem ouvia, nem falava. Ela tinha problemas de mobilidade e vivia em uma cama e morava em uma casa de acolhimento com várias outras crianças sem pais que pudessem assumir sua criação. 

Como a casa era pobre, ela não tinha quarto, vivia em sua cama, na sala, onde todos que passavam, a tocavam com carinho. Mas um dia, a casa ganhou um ambiente novo e a criança ganhou um quarto para si, todo bonito, reformado. Em pouco tempo, a criança adoeceu, tinha febre constante. Os cuidadores da casa percebiam que a febre passava quando eles estavam por perto, quando a criança era tocada. E então perceberam que o tato era a única linguagem daquela criança cega, surda e muda. Ela apenas podia se sentir viva, se fosse tocada. 

Todos os seres precisam do toque, porque ele valida sua existência. Os afetos fundamentais são validados pelo toque. 


Olfato: sentir fedor é melhor que sentir nada

Alguém aí sabe por que o nariz fica em cima da boca? É para podermos cheirar a comida antes de comê-la. De outra forma, não saberíamos se está boa ou estragada. O olfato garante que a gente não morra envenenado. Valida a realidade da comida. 


Mente: essa confusão que precisa de foco

Por fim, essa benção-maldição que é a mente. Uma porrada de sensações circulando e a necessidade de apenas um foco para não se perder no caminho de casa. A mente de todas as pessoas é hipertextual, cheia de vais e vens, pensamentos aleatórios e fluxos de caminhos infinitos. 

E o que deixa a pessoa feliz? Foco. Sim. Só isso. Não é não pensar. É focar no que está acontecendo agora e deixar o resto passar, sem se apegar a nada. 

Afinal, qual a vantagem de pensar em pijamas, quando se vê bananas, porque você assistiu a uma série quando era criança e sua TV tinha uma tela cinza com um desvio colorido, porque seu irmão colou um ímã na tela e sua mãe tinha um avental azul florido e o jardim tinha um cimento cheio de musgo...

Entendeu? 


sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Entre a realidade e a ficção, o mundo é uma ilusão comprada

 "A realidade é mais estranha que a ficção. A diferença entre a verdade e a ficção é que a ficção faz mais sentido". 

Mark Twain (1835-1910)


Mark Twain podia ter lá seus motivos particulares para preferir a ficção à realidade. Afinal, cada escritor tem seus próprios motivos. Imaginar é o que diferencia os seres humanos de todos os outros seres. 
Sim, imaginar, não racionalizar. 

Porque nossa razão é refém da imaginação e da emoção. Não vou me aprofundar nisso, mas se você quiser, reflita sobre o fato de que a razão simples, vamos pegar como exemplo a matemática, só se desenvolve por conta de uma "atração" do humano a este tipo de conteúdo. 

E atração não é razão, é emoção. 

Nos atraímos pelo racional, ou por qualquer outra coisa, porque imaginamos. Criamos em nossa mente uma ilusão projetada, a todo instante de nossas vidas. Desde o simples abrir os olhos pela manhã, até o que vamos comer quando sentimos fome. 

Mas, sobretudo, em nossos relacionamentos. O afeto é primeiramente imaginado. Queremos algo, logo, abrimos as portas do nosso ser para obter este algo. Um amor, por exemplo. Então, o corpo responde. Você bate o olhar em um fulaninho e seu coração acelera. Amor à primeira vista? Não, só uma resposta biológica à imaginação. 

Sua mente flutuou naquelas carnes do fulaninho e você imaginou instantaneamente o toque. O toque é o afeto consolidado. Tão antigo e tão desejado para todo mamífero que cresceu no útero quentinho de uma mãe e foi cuidado até que pudesse se cuidar sozinho. Sem o toque, sofremos de carência de existir. Se não nos tocássemos, poderíamos duvidar de nossa existência. 

O amor, então, meus caros, é apenas uma projeção do toque, que conduz nossa biologia ao desejo de efetivar esta projeção. Imaginamos o quanto seremos felizes ao consolidar este toque. Quando não consolidamos, o desejo permanece. E deve ser transferido, ou nos ferirá. 

Os escritores transferem o desejo não realizado para as palavras. As histórias nascem dos afetos não realizados, das carências latentes no ser humano. E é tão universal, que ler, assistir, escrever, imaginar faz parte do nosso dia a dia e a maioria das pessoas não percebe. 

Conheço muita gente que diz não gostar de ficção, mas pira em um livro de teoria da conspiração, acredita nas ideias mais estapafúrdias sobre dominação política e social. Estes são os mais fáceis de manipular, pois não conhecer o poder da ficção. O poder de criar a própria história e torná-la crível. 

Essa ilusão é vendida de várias formas e não só os incautos caem. Todo ser humano cai. Porque a carência afetiva é o que faz esse mundo girar. Faz ditadores ascenderem e caírem. Faz o racionalismo tentar esmagar o sentimentalismo. É flagrante e notório para quem consegue enxergar. 

O poder da ficção é o poder de criar o mundo. Criar os deuses. Deus é fruto deste poder. Acham que Deus criou o mundo e os humanos? Meus caros, é o contrário. Os humanos criaram Deus e o mundo. Deus é fruto da enorme carência afetiva do ser humano querendo um pai, um salvador, alguém para livrá-lo das dores e sofrimentos. 

Compra quem quer. Depois de saber que criamos os deuses, podemos continuar a acreditar em nossas criações. Ou não. Mas a maioria nunca chega a saber disso o suficiente para opinar. A ilusão já está comprada para ela e ela perdeu o recibo. 

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Wattpad, uma fábrica de autofantasias

"O ser humano é mesmo uma caixinha de fazer e pensar merda". 

Wattpad. Para quem não está familiarizado, uma plataforma onde as pessoas entram para ler e publicar o que quiserem. O que quiserem? Sim. Qualquer merda que quiserem. 

As categorias mais populares são: 

Fanfics, que são histórias criadas por fãs sobre histórias já existentes (ô falta de imaginação). Li alguns há muito tempo, a maioria é escrito muito mal. 

Imagines, um tipo de história bizarra na qual a pessoa escreve sobre uma celebridade, cenas que imaginou com ela. Ah é, bizarro mesmo. Não tive coragem de ler, mas entendi pelas sinopses que rola muito fetiche com artista de kpop, jogador de futebol, enfim...

Hot, histórias eróticas, pornô leve ou pornô pesado, que as pessoas usam... acho que para se masturbar, porque têm títulos como "Possuída pelo CEO", "Grávida do chefe", "Vendida para o dono do morro". Eu li um deles, chamado de Contos Eróticos, mas achei tão sem imaginação, que larguei antes de finalizar o primeiro capítulo. A pessoa que escreveu nunca deve ter lido nada do Marquês de Sade. 

Fantasia de RPG, histórias nerds com elfos, magos, trolls, fadas, anões, enfim, essa laia toda. Chaaaato, cansativo e repetitivo. Tentei ler alguns. Juro. 

O resto. Romances, histórias de terror, zumbis, todos os outros gêneros. A maioria com roteiros iguais a todos os outros clichês muito ruins e sem graça, histórias sem pé nem cabeça, absurdamente mal escritas. Sério, escritores que não acertam as palavras nem no título. A maioria uma grande e enorme merda, que não merece atenção alguma. Mas, acredite se quiser, visitei alguns dos livros mais lidos da plataforma, na casa dos milhões de views e... sim, a maioria é lixo não reciclável. 

Quanto mais entendo as funcionalidades do ChatGPT e outras IAs de texto, percebo como a maioria dos humanos é substituível. Porque, se for para criar uma porcaria de texto, demande ao ChatGPT, ele vai criar um que, pelo menos, não tem erros de português. Originais não serão, interessantes talvez, surpreendentes, não digo, mas sem erros, isso sim, serão. 

A imagem ao lado foi gerada por IA. Mas meu texto não. 

A indústria do entretenimento se tornou tão mais do mesmo, que até me surpreendo quando encontro algum livro bom. Geralmente ao acaso. O último que li foi "Tudo é rio", de Carla Madeira. Um maravilhoso e raro acaso e levei o livro. Li com prazer, um prazer que há anos não sentia em uma literatura inesperada. 

Em um próximo post, eu posso contar como faço para selecionar os livros que considero bons, mas para finalizar esse post aqui, só vou dizer uma coisa: Wattpad é ruim, mas se você nunca experimentou, vai lá, sem julgamentos, lê de tudo um pouco e crie sua própria opinião. 

Aliás, é para isso que os livros servem. Criar experiências novas, imaginadas, abrir novas fronteiras para a mente. Se não é para isso, é autofantasia, mera fuga da realidade, entretenimento barato.