sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Entre a realidade e a ficção, o mundo é uma ilusão comprada

 "A realidade é mais estranha que a ficção. A diferença entre a verdade e a ficção é que a ficção faz mais sentido". 

Mark Twain (1835-1910)


Mark Twain podia ter lá seus motivos particulares para preferir a ficção à realidade. Afinal, cada escritor tem seus próprios motivos. Imaginar é o que diferencia os seres humanos de todos os outros seres. 
Sim, imaginar, não racionalizar. 

Porque nossa razão é refém da imaginação e da emoção. Não vou me aprofundar nisso, mas se você quiser, reflita sobre o fato de que a razão simples, vamos pegar como exemplo a matemática, só se desenvolve por conta de uma "atração" do humano a este tipo de conteúdo. 

E atração não é razão, é emoção. 

Nos atraímos pelo racional, ou por qualquer outra coisa, porque imaginamos. Criamos em nossa mente uma ilusão projetada, a todo instante de nossas vidas. Desde o simples abrir os olhos pela manhã, até o que vamos comer quando sentimos fome. 

Mas, sobretudo, em nossos relacionamentos. O afeto é primeiramente imaginado. Queremos algo, logo, abrimos as portas do nosso ser para obter este algo. Um amor, por exemplo. Então, o corpo responde. Você bate o olhar em um fulaninho e seu coração acelera. Amor à primeira vista? Não, só uma resposta biológica à imaginação. 

Sua mente flutuou naquelas carnes do fulaninho e você imaginou instantaneamente o toque. O toque é o afeto consolidado. Tão antigo e tão desejado para todo mamífero que cresceu no útero quentinho de uma mãe e foi cuidado até que pudesse se cuidar sozinho. Sem o toque, sofremos de carência de existir. Se não nos tocássemos, poderíamos duvidar de nossa existência. 

O amor, então, meus caros, é apenas uma projeção do toque, que conduz nossa biologia ao desejo de efetivar esta projeção. Imaginamos o quanto seremos felizes ao consolidar este toque. Quando não consolidamos, o desejo permanece. E deve ser transferido, ou nos ferirá. 

Os escritores transferem o desejo não realizado para as palavras. As histórias nascem dos afetos não realizados, das carências latentes no ser humano. E é tão universal, que ler, assistir, escrever, imaginar faz parte do nosso dia a dia e a maioria das pessoas não percebe. 

Conheço muita gente que diz não gostar de ficção, mas pira em um livro de teoria da conspiração, acredita nas ideias mais estapafúrdias sobre dominação política e social. Estes são os mais fáceis de manipular, pois não conhecer o poder da ficção. O poder de criar a própria história e torná-la crível. 

Essa ilusão é vendida de várias formas e não só os incautos caem. Todo ser humano cai. Porque a carência afetiva é o que faz esse mundo girar. Faz ditadores ascenderem e caírem. Faz o racionalismo tentar esmagar o sentimentalismo. É flagrante e notório para quem consegue enxergar. 

O poder da ficção é o poder de criar o mundo. Criar os deuses. Deus é fruto deste poder. Acham que Deus criou o mundo e os humanos? Meus caros, é o contrário. Os humanos criaram Deus e o mundo. Deus é fruto da enorme carência afetiva do ser humano querendo um pai, um salvador, alguém para livrá-lo das dores e sofrimentos. 

Compra quem quer. Depois de saber que criamos os deuses, podemos continuar a acreditar em nossas criações. Ou não. Mas a maioria nunca chega a saber disso o suficiente para opinar. A ilusão já está comprada para ela e ela perdeu o recibo. 

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