domingo, 2 de junho de 2024

A liberdade de ser ninguém na fila do pão

 Ainda me lembro de uma figura comum nas tardes de domingo. Chamava-se Faustão e ocupava a grande da TV aberta em um canal bastante popular comum programa popularesco de auditório, Domingão do Faustão. Revelava artistas, tinha grande influência em suas carreiras. Logo, era disputadíssimo e brilhar no palco do programa era deslanchar na carreira. 

Isso em anos 1990, 2000, por aí. Depois, o programa foi caindo em desuso pela classe artística que passou a dispor da internet e das mídias sociais para se promover e se autopromover. 

Eu me lembro do Faustão, especificamente por uma frase que ele dizia: Um dia toda a plateia vai estar no palco e ninguém vai estar na plateia, pois todo mundo quer ser famoso. Ora, será que ele estava prevendo a ascensão dos influenciadores digitais? 

Obviamente ele não era tão digno de nota em sua capacidade cognitiva, então, acho que só o que ele queria dizer é: todo mundo quer ser famoso porque vê na TV esse "glamour" e acha isso bom. Acontece que as mídias sociais vieram para mostrar que a TV não importa mais tanto assim. E famosos aos milhares aparecem todos os dias. Tem muito famoso quem, mas também tem muita gente que não quer aparecer. 

Celebridades de internet ultra-nichadas. Quem nunca se deparou com o cartaz de um evento anunciando que Fulano, Ciclano e Beltrano vão estar lá e se perguntou quem eram? Hoje as celebridades são tão ultra-nichadas que, do nada, aparece um amigo hipster do seu lado, dando gritinhos de alegria porque Zé Fulano está no evento. E você achava que conhecia a bolha do seu amigo hipster, mas, de repente, se vê boiando sobre quem seria Zé Fulano. 

E por que saber quem é Zé Fulano é tão importante assim? - acabo me perguntando, pois justo eu, tenho ojeriza à ideia de celebridade, salvadores, endeusamento e idolatria. Só faz sentido saber quem é esta celebridade se você quer participar da bolha em questão. 

Ah... as bolhas. E o que são bolhas? Esses grupinhos que antigamente chamavam de tribos e só se identificava na adolescência. Mas agora que uma boa parte do mundo se esqueceu de crescer, a ideia adolescente de tribos se transformou em bolhas. Grupinhos que se identificam por um jeito de vestir, de falar, de se comportar, aparência similar, ídolos similares, ideias muito mais do mesmo similar. 

Comportamento de bolha, então, se torna tudo aquilo que essas pessoas fazem para se manter na bolha. E, acredite, são as coisas mais simples, como os canais de YouTube que seguem, e as coisas mais bizarras, como assassinar um cachorro e desenhar uma baleia na pele com estilete. 

Não são pessoas livres, pois estão na bolha e se a estourarem, serão afastadas com indiferença, bloqueio de perfil e até mesmo cancelamento online. O medo de não pertencer é constante e faz essas pessoas agirem como ratos em laboratório, hamsteres correndo em rodinhas até aceitarem que a bolha do Prozac é bem normal e bem-vinda. 

A ideia toda de identidade aprisiona estes seres, pois se forem excluídos da bolha, quem serão? O que farão de seu cabelo, o que vestirão? Que livros vão ler, que séries assistir? Com quem vão conversar sobre o mais novo episódio de Master Cheff, ou comentar sobre a mais nova tendência na cerveja artesanal? 

Quando você olha para os lados e vê apenas pessoas iguais a você, meu conselho é fuja. Fuja rápido e para longe. Sem olhar para trás. Porque sua vida vai ser só triste e monótona. Sua ilusão de pertencer vai te levar ao vazio criado pela identidade falsa. Você será apenas um falsário de si próprio. 

A liberdade não é concedida por ninguém, é tomada à força. 

É uma ideia da qual as mentes vivazes absorvem a essência repudiando rótulos, bolhas, identidades, similares, unanimidades. Toda unanimidade é burra, já dizia alguém muito importante que infelizmente esqueci quem é. 

Só tem liberdade quem tem coragem. Coragem de furar a bolha, de questionar a identidade, de abandonar seus rótulos e deixar de esperar likes e comentários nas mídias sociais para se sentir influenciador. Não vou usar o clichê de "ser quem você é", porque a maioria das pessoas infelizmente não sabe quem é, nem o que quer. Só sabe do que gosta e do que não gosta e isso não define ninguém. 

Gostar e não gostar é a receita para a eterna insatisfação e sofrimento. Se você apenas aceita o que tem para hoje, independente de gosto, se adapta e se move naquilo, buscando o que há de melhor, não no outro, mas em si mesmo com aquela situação, você domina as circunstâncias que causam o sofrimento. E aprende a ser livre. 

Liberdade é ser ninguém na fila do pão e amar isso. 

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