sábado, 3 de agosto de 2024

Ansiedade e os olhos dos outros

 Faz um tempo, descobri que tenho uma condição neurotípica, Espectro Autista, para quem está familiarizado. Grau 1, o mais leve. Significa que consigo disfarçar razoavelmente bem, a ponto de dificultar o diagnóstico por muitos anos. 

Imagem de Alexander Antropov por Pixabay


Depois de descobri isso, comecei a perceber que a ansiedade que sinto ao conviver com humanos não é normal. E que minhas "birras" na infância que ocorriam quando eu não queria socializar não eram birras, era ansiedade. Que os tiques de corpo que tenho desde a infância e muitas vezes me constrangem, até hoje, tem um nome. E que sentir agonia com roupas apertadas, que envolvem o pescoço, ou que tem texturas específicas, não é motivo de autocensura. 

Enfim, várias outras características depois, descobri-me não tão estranha quanto muitos apontavam, mas uma pessoa absolutamente normal, com um diagnóstico que não exatamente significa a cura, mas uma adaptação mais eficaz. Não assumo para ninguém que sou Autista, pois as pessoas hoje acham que um diagnóstico é uma identidade e eu acho isso ridículo

Mas descobrir-me Autista me deixou mais confortável com minhas esquisitices e me deixou mais alerta para minha ansiedade. Por que me deixou mais alerta? Porque eu aprendi a disfarçar muito bem ao longo do tempo. As pessoas olham para mim e me veem como um poço de tranquilidade. Aprendi a modular a voz, treinei para falar como os melhores locutores e narradores. Desde criança, eu imitava a fala deles, fiz aulas de canto, fono e teatro, e assim, fui aprendendo a modular a voz de forma que ninguém que me ouça discursar sequer cogite que sou autista. 

Tenho boas expressões faciais e aprendi a sorrir largo, espremendo os olhos, pois assim é considerado o sorriso sincero. Foram muitas sessões de autocrítica para chegar neste nível de masking. 

Fiz balé para moderar os movimentos bruscos e caminhar de forma mais elegante e equilibrada. Fiz muitas aulas de tudo o que você consiga imaginar, para aprender a ser mais normal, como um humano normal. Minha maior dificuldade sempre foram os relacionamentos. É muito cansativo ter amigos, comparecer aos eventos que formam a amizade, cultivar o grupo. Tudo isso exige muita energia. Mas eu queria me relacionar, sempre careci de bons amigos. 

E sempre quis me desafiar. Sempre busquei fazer algo diferente. Eu tenho muitas zonas de conforto, mas me acostumei tanto a andar no desconfortável, que não me importava de me desafiar um pouco mais. 

Nunca tive a compreensão de um diagnóstico precoce. Desde criança, eu tive de me adaptar para não ficar de castigo, para não chatear as pessoas, para não ficar de lado dos grupos de brincadeiras, para não "ficar atrás" da irmã normal que socializava bem com todo mundo, para não parecer a pessoa esquisita do grupo. Para fingir que estava tudo bem e tirar o foco de mim, porque tudo o que eu queria era que me deixassem em paz, que respeitassem o meu espaço. 

Mas, você se acostuma a ter seu espaço desrespeitado. Você se acostuma a se fechar na sua mente, o único lugar que ninguém pode invadir. Pelo menos não quando você escolhe se fechar. E eu aprendi a me fechar para me proteger. Aprendi a transparecer calma e tranquilidade, quando eu só queria explodir. Quando eu só queria sair dali correndo e me isolar de tudo. 

Aprendi a mascarar tão bem que quase acreditei que era uma pessoa tranquila e relaxada. Em alguns momentos da minha vida, eu realmente me senti assim. Poucos, mas bons momentos. Mas então, a natureza inquieta da mente autista retornava, os tiques ressurgiam mais fortes, como se gritassem atenção, depois de um período de negligência. 

E tudo voltava. Ansiedade no topo, tiques no topo, estereotipias e dificuldades em manter os relacionamentos. 

Neste momento estou em um topo particularmente difícil. Sinto vontade de fugir e me esconder, mas a pressão do que devo concluir não me deixa em paz. Quero concluir, mas já não tenho mais força, nem energia. 

A mera noção dos olhos dos outros me faz perder o ritmo da respiração, faltar ar. A pressão embutida na mente desde a infância de que devo parecer normal, se tornou exaustiva. 

A pressão dos olhos dos outros se tornou um peso tão grande! E desde sempre me esforcei para fugir dos olhos dos outros. Mesmo assim, eles me perseguem. Enquanto eu quiser viver em meio aos humanos normais. Enquanto eu quiser me camuflar e participar. Enquanto eu quiser ter relacionamento e não me sentir só, devo me adaptar aos olhos dos outros. 

Mas por que algo que seria bom, como um relacionamento, se torna tão exaustivo para um autista? Por que não posso ter as duas coisas? A solidão compreensiva de mim comigo e um relacionamento companheiro e feliz? 

Estas são perguntas que aparecem nos momentos de crise, em que a ansiedade dói, literalmente, no corpo. Tem resposta? Não sei. Por enquanto, sei apenas que estou caminhando lentamente para o buraco. E posso apenas fazer duas coisas: cair de uma vez ou buscar ajuda externa para me afastar do buraco. 

No ritmo em que estou, a queda é inevitável, mas talvez demore ainda um tanto e vai prolongar esse sofrimento. Então, me resta a ajuda externa. 

Nunca confiei em médicos. Vou até eles. Mas nunca confio neles. São limitados e carentes de autoridade. Psiquiatras, neurologistas, endócrinos, etc... Os mais carentes são os dermatologistas. Patéticos. 

E terapeutas? Os piores! Psicólogos, todos os que conheci, completamente desequilibrados. Nada confiáveis, lentos em entender, torpes em sua lentidão, com julgamentos prontos, presos a seus preconceitos freudianos, jungianos, gestaltianos, etc...


Mesmo assim, às vezes, os procuro, mesmo sem confiar. Vou até eles com uma lista. Recito a lista, direciono seus achismos, pois descobri que assim os odeio menos. Já chego dizendo que tenho uma lista. E assim, tomo seus remédios, úteis apenas para os sintomas, nunca para a causa. 

A causa, meus queridos, está lá dentro, ninguém nunca saberá, a não ser você mesmo. Desde cedo, percebi que ninguém podia me ajudar, a não ser eu. Que o conhecimento era muito útil e continuar aprendendo me tornaria menos infeliz. Mas que há certas coisas que não adianta o quanto se tente, não estamos no ponto para aprender. 

Que ajuda externa é bom, mas apenas em momentos pontuais. Depender demais disso é burrice, dependência, vício, carência afetiva mal resolvida. 

Que depender dos outros é a pior coisa que você pode fazer por si mesmo. Mas você não é a pessoa mais inteligente do universo, então, se liga que o buraco está sempre a um passo seu para seu próprio umbigo. 

Que por mais que eu sofra, não vou desistir de continuar me adaptando. Pois não quero ser um arbusto, uma moita de bambu no meio da tempestade. Quero me levantar e sair andando quando eu quiser, para onde bem entender. 

Autismo não é identidade, é uma condição limitante. O que faço é entender esses limites e ir tateando até expandi-los, às vezes com carinho, às vezes na porrada mesmo. Porque toda condição existe para ensinar, não para se acomodar nela. 

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