quinta-feira, 8 de agosto de 2024

O que penso sobre o mundo e o absurdo de achar que alguém se importa

 Esta história que vou contar ocorreu faz uns anos. Na época, eu trabalhava em uma empresa de educação à distância que tinha em seus quadros, espaço para a contratação de estagiários. Para quem caminha no ingênuo universo da ilusão, saiba que estagiário é o nome que se dá a um cargo para alguém que tope fazer os trabalhos mais chatos e repetitivos, que qualquer idiota sabe fazer, com o menor salário que a empresa pode pagar, sem nenhum ônus, vulgo CLT. 

Eles são selecionados de forma simples, pois não se espera que tenham experiência, apenas boa vontade. Uma leitura básica no currículo, confirmar sua matrícula na universidade, uma entrevista para checar se a pessoa está mesmo a fim de trabalhar e pronto, a vaga é do estagiário. 

Por este motivo, volta e meia apareciam uns estagiários incrivelmente burros, mas esperto o suficiente para enganar a mocinha igualmente burra do RH, com as respostas certas para as perguntas estúpidas que ela faz. 

E a história que conto é com um desses estagiários. Ele não era da minha equipe, felizmente, mas como era da equipe que trabalhava de frente à minha na sala, acompanhei o drama muito de perto.

O nome, não me lembro. A universidade dele, lembro apenas que era uma dessas Uniqualquercoisaondeentraqualquerum. E botei reparo em sua figura quando na primeira semana de trabalho dele, interrompeu uma reunião minha com uma colega sênior para oferecer um livro. 

Era um livro escrito por ele. Entregou com um sorriso confiante, dizendo que era da Academia Seiládaonde de Letras. Lembro-me de conter minha primeira impressão desta abordagem: 

"Que coragem" - pensei. "Interromper uma reunião de seniores e entregar um livro escrito por ele. Um garoto de 19 anos". 

Ao ler o título do livro, lutei ainda mais para conter minha impressão dentro de minha mente. Não me lembro exatamente o título, mas era algo como: 

"O que penso sobre o mundo". 

Felizmente, minha colega sênior o respondeu amavelmente e ele saiu, deixando-nos a sós para continuar a reunião. Quando terminamos, voltei para meu trabalho e ao concluir o expediente, peguei o livro. Folheei e fui ao que me interessava: que editora toparia publicar um livro de um garoto de 19 anos com um título pretensioso destes?

A resposta veio rápida: nenhuma. 

O livro não tinha editora, nem ficha catalográfica. Parecia algo feito de forma independente. Você escreve, diagrama, faz a capa, manda publicar, paga tudo e distribui. Pronto. Assim nascem os livros independentes de garotos achistas de 19 anos que pensam que o que pensam sobre o mundo interessa a alguém. 

Mas, tudo bem. Eu não ia julgar o livro só pela capa. Comecei a ler. 

Parei. 

Continuei. 

Parei. 

Olhei para o livro, interrogativamente e reforcei minha primeira impressão: 

"Ele é muito mais corajoso do que eu tinha pensado inicialmente, porque o livro é uma completa bosta". 

Não perdi meu tempo lendo mais, deixei o livro ali, pois não merecia nem esbarrar na minha estante. Na semana seguinte, alguns comentários chegaram de colegas que tinha lido o tal do livro. Ninguém quis dizer em voz alta, claro, para não ferir os sentimentos do garoto, mas aos cochichos, a impressão de bosta era unânime. 

O livro merecia o prêmio de bosta. 

Eu não tinha dado mais atenção ao fato, tenho muita consciência de utilizar bem meu tempo, mas alguns colegas insistiam em comentar e eu então peguei o livro mais uma vez. Fui checar os antecedentes do garoto. 

 Descobri que ele tinha se candidatado a uma Academia Seiládaonde de Letras, mas fora recusado. O pai era militar e tinha bancado o livro, talvez pensando em alavancar a carreira do garoto. Mas, com certeza, sem nunca ter lido o que ele escreveu. Qualquer um que lesse, concordaria que queimar todas as edições era o melhor a ser feito pela carreira do garoto. 

Pobres criaturas que crescem sem um feedback realista de seu trabalho...

Porque o pior não era o livro. Era que o garoto era tão ruim trabalhando que durou apenas dois meses. E não era só ruim no trabalho, era péssimo em se relacionar com os colegas. Cantou todas as garotas. usava o chat de trabalho para isso. Encarou tanto uma estagiária minha que ela pediu para trocar de lugar. 

Recebeu quatro chances de ficar, feedbacks precisos e realistas dados por pessoas da área de educação e pedagogia. Quatro pessoas foram destacadas para ajudá-lo. Mas ele não aprendia o que fazer. Não conseguia entender nem o básico. Não aprendia nada, de forma alguma, mesmo mudando o tutor. 

Talvez fosse o QI, talvez fosse uma doença mental, mas com certeza era a ausência de uma postura realista em relação ao mundo. Apesar de todos os feedbacks, o rapaz era invariavelmente confiante e vaidoso, de uma forma que beirava ao narcisismo psicótico. Incapaz de uma autocrítica, incapaz de aprender com seus erros, pois acreditava ingenuamente que apenas acertava. 

Acreditava que o que pensava sobre o mundo era tão formidável que merecia ocupar as páginas de um livro. 

Pobre criatura, poupada de sua própria ignorância. E por isso, condenado a ser eternamente ignorante. 

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