terça-feira, 20 de agosto de 2024

Dramas adolescentes, TV, séries e animes inclassificáveis

Estou a fim de escrever sobre entretenimento de TV, porque reparei que as séries que tratam de temas escolares e normalmente giram em torno do drama escolar adolescente, podem ser categorizadas em dois subgêneros. 

Elas exploram os conflitos internos e externos desta fase da vida, como bullying na escola, conflitos e dificuldades de relacionamento com colegas, amigos e pais, primeiras experiências sexuais, conflito de gerações, dificuldade em entender as próprias emoções, baixa autoestima, mudanças no corpo, escolha de carreira profissional e ansiedade em relação ao futuro. 

Todo mundo aqui já passou por isso e vai lembrar destes dramas, por isso o gênero não é exatamente voltado para o público adolescente, mas para jovens adultos, principalmente os que abordam questões mais adultas. Não por acaso, os elencos costumam ter idade variada. 

Depois de assistir pelo menos o primeiro capítulo de algumas séries, alguns filmes e animes, comecei a subdividir o gênero em dois:

- Subgênero adolescentes adultos
- Subgênero adolescentes infantis

No subgênero adolescentes adultos, a vida sexual importa e chega a ser plot central em alguns momentos. Ou está bem explícito nos diálogos e na interação entre as personagens. A descoberta da própria personalidade também é um assunto central e o consumo de álcool e drogas costuma ser bem explícito. O elenco é formado por jovens a partir de 18 anos, pois o temas abordados são mais sensíveis e geralmente têm censura 16+. 

Alguns exemplos: O Internato: Las Cumbres; Elite; Young Royals; High School Musical; Sex Education; Rebeldes; Euphoria; Awkward; Verônica Mars; On My Block; Heart Break High: Onde tudo acontece; Control Z; Sangue e Água. 

Já no subgênero adolescentes infantis, os dramas adolescentes que mais aparecem são autoestima, bullying, conflito de gerações, mudanças no corpo e autoafirmação no mundo diante da ansiedade em relação à carreira e futuro. O elenco é formado por adolescentes mesmo, pegos a partir de 11, 12 ou 13 anos. Por isso, os temas são tratados de forma mais leve, pois é feito para este público alvo e não tem censura. Além disso, ninguém quer traumatizar ou influenciar negativamente o público enquanto trata os assuntos normais da idade. 

Alguns exemplos são: iCarly; Wandinha (virou censura 16+ apenas pelas falas sarcásticas da personagem principal); Heartstopper; Love 101; Cobra Kai. 
Filmes: Escola de Rock; Curtindo a vida adoidado; Harry Potter; Meninas Malvadas (sim, tem censura 12+); 10 coisas que odeio em você. 

Algo interessante neste subgênero é que nas séries deste tipo, como os atores vão crescendo com a trama, é comum que os assuntos se tornem mais adultos com o tempo. 

É o caso de Harry Potter. A partir do terceiro filme, o enredo vai ficando menos infantil e os últimos filmes tiveram censura 13+ pela violência. iCarly é um caso interessante, se manteve no besteirol, pois o plot era de comédia, mas abordava muitos o tema de relacionamentos românticos, mas de forma mais inocente. 

E Meninas Malvadas coloquei nesta categoria porque apesar de tratar muito de romances, foca em conflitos de identidade e bullying. 


Alguns desses títulos eu assisti, a maioria pesquisei e perguntei por aí. Mas se você tiver algum para a classificação, põe pra jogo nos comentários. 

Séries inclassificáveis

Esses dias, resolvi assistir, meio por nostalgia ao primeiro episódio de Sailor Moon, o anime clássico dos anos 1990, cuja classificação indicativa é 10+. Uma série bobinha, infantil, com temas tolinhos de construção da personalidade com superpoderes. É isso? 

Gente, não! Os japoneses são meio estranhos nas narrativas que consideram infantis. Quem não se lembra de Yu Yu Hakushô e Dragon Ball? Séries para adolescentes que tinham muitas entrelinhas de conotação sexual. Algumas foram censuradas quando aportaram no ocidente. Mas para o público japonês, ok, ter nudes descarados, fazer menções a peitos, bundas, torres nos buracos. 

Sailor Moon no Brasil tem censura 14+ e vem com aviso de conteúdo sexual, temas sensíveis e linguagem imprópria. Pois é. Aí, entram duas reflexões minhas: ou é mesmo a linguagem japonesa que é diferente da ocidental e não liga para censura de temas assim; ou a série é antiga (1990) e como hoje a sociedade é muitíssimo mais careta, tacamos rótulos de censura em tudo que é lugar. 


Um pouco dos dois é o que eu penso. Mas sim, a sociedade careta em que vivemos é um saco. As crianças são protegidas de conteúdos assim por qual motivo exatamente? Porque uma mente infantil não vê conteúdo sexual em Sailor Moon. Mas pode ser influenciada pelo machismo e idealização do corpo magro que existem em praticamente todas as produções japonesas, coreanas e chinesas, desde sempre. 

A sexualização das personagens de anime que, concordo, é exagerada, pode ser uma influência ruim para as crianças. Mas a exposição das fotos de bebês desde o nascimento não é uma influência pior ainda? Pode, inclusive, ser usada por pedófilos digitais. Sinceramente, acho que isso traumatiza mais, por ser pessoal. 

Não quero encerrar a discussão com apenas essas parcas reflexões, por isso a deixo em aberto. Se alguém quiser emendar, fica à vontade. E se algum dia eu tiver vontade, volto a escrever sobre isso. 

domingo, 18 de agosto de 2024

Como a humanidade está emburrecendo com coisas como a cultura do cancelamento

Quem já viu o filme Idiocracia ou a série brasileira A Eleita, tem que concordar comigo: a humanidade está emburrecendo velozmente. E dá medo disso, quando as evidências científicas mostram que, pela primeira vez na História, o QI da nova geração é mais baixo que o da geração anterior. 

Sentados à beira do abismo, sem nem perceber, enquanto se movem como manadas de bois, manipulados por telas brilhantes. As pessoas não querem gastar energia pensando nem um pouquinho. Aceitam sem questionar a opinião, fatos falsos, o cancelamento, linchamento moral de pessoas, a candidatura de pessoas estúpidas e mal intencionadas a cargos públicos. Acreditam mais na tiazinha do Zapzap que na ciência. É muita burrice circulando.

É triste, eu sei, mas a verdade é que quando a internet passou a dar voz a idiotas, todo e qualquer idiota ganhou o poder de influenciar, ser ouvido e seguido. Idiotas se lançam candidatos, apenas para aumentar sua influência, como aquele tal de Pablo Marçali. É muito evidente que ele não quer ser eleito, porque isso implicaria em assumir responsabilidades para as quais obviamente não está preparado e não está nem aí. 

Ele só quer o farol, a fama, mostrar o quanto ficou rico de uma candidatura a outra para vender mais curso online de como ficar rico

E o bando de ignorantes, incluo aqui a imprensa, que são os ignorantes indefensáveis, comenta, faz farol, critica, opina. Como se ele fosse importante! Como se realmente ele fosse um candidato sério! Será que ninguém percebe suas reais intenções, ou gosta de perder tempo, comentando o incomentável? 

Cultura do Cancelamento

Faz um tempinho, o Dalai Lama cometeu um deslize em público: fez uma brincadeira tosca com uma criança, envolvendo a própria língua. Eu vi a cena, não tinha nada de sexual ou erótico naquilo. Ele simplesmente aloprou ao fazer o que considerava uma brincadeira. 

Quem convive com velhos sabe que eles às vezes saem da casinha de uma forma bem drástica. Falta noção, falta memória, falta já um monte de coisa na cabeça do velho. É real, todo mundo vai passar por isso, se der sorte. Se não der sorte, vai ter uma vida curta. Se der certo, todo mundo envelhece um dia. E o Dalai tem quase 90 anos. 

E a internet caiu em cima, cancelou o ancião, como se ele fosse um pedófilo, criminoso desgraçado. 

Até aquela tal de Xuxa falou do Dalai Lama como se o conhecesse, condenando e acusando. A mesma pessoa que poucos dias antes estava em documentário e imprensa falando de seu passado, do quanto era julgada pela aparência, coisa e tal. O tamanho da hipocrisia é... grande. 

Aí, eu pergunto: onde foi parar a capacidade de pensar das pessoas? De refletir sobre uma questão muito óbvia: um velho de 90 anos que é monge desde os 3 anos de idade, vigiado desde neném, em sua conduta, não tem nenhum interesse sexual em uma criança. Ele apenas cometeu uma gagazisse de velho. 

E todos comentam como se não pudessem pensar. Amam sentirem que estão na maioria, mesmo que a maioria seja ignorante. Inclusive a tal da Xuxa, cuja opinião é tão importante para o mundo quanto a de um adolescente que não perdeu a virgindade, mas opina sobre sexo. 


Ok, Xuxa é a tal rainha dos baixinhos, uma criança que nunca cresceu. Mas ela ilustra bem o quanto a humanidade se tornou refém de sua própria infantilidade. Sem capacidade de raciocinar, segue a manada, opinando sobre tudo o que não conhece. 

Isso tem nome: Efeito Dunning-Kruger. Ou: quanto mais ignorante em determinado assunto, mais confiante a pessoa se sente ao opinar sobre ele. É um problema de economia cognitiva, ou seja, quanto mais burra a pessoa, mais certeza ela tem sobre tudo. 

E aí, vai lá e cancela, sem saber, sem ter experiência, nem conhecimento, nem capacidade de refletir. Gente, somos humanos! E humanos são conhecidos por raciocinar. Se perdermos a racionalidade, nos sobra apenas as telas iluminadas levando os ignorantes a decisões estúpidas e animalescas de manada.

O cancelamento é uma censura da manada que não quer e nem tem capacidade mental para lidar com assuntos sérios. Por isso, cancela, como uma criança birrenta se jogando no chão do supermercado porque quer doce.  

E eu, concordo com Bertrand Russell (Triunfo da estupidez), que define bem assim: 

“A principal causa dos problemas no mundo de hoje é que os idiotas estão cheios de certeza enquanto as pessoas inteligentes estão cheias de dúvida.” 

sábado, 17 de agosto de 2024

A risada do desespero

Estava fuçando em arquivos antigos de aula e me deparei com esta imagem: 


E ela me fez rir. 

Porque é verdade. É real. Porque o que vivemos é a confusão caótica da segunda linha "The Reality as it actually happened". O doutorado é isso. Esse caos infinito, confuso e estressante, do qual 75% dos estudantes sucumbirão a alguma doença mental. 

Mas na hora de defender diante da banca, relatamos apenas o que os critérios exigem, ou seja comunicamos a primeira linha "The Reality as we communicated". Engolimos o choro, o desespero, o caos mental, os remédios, as horas de terapia, a falta de grana, as bolsas defasadas, a falta de um bom plano de saúde, a insônia, os pesadelos, as doenças somáticas, a dúvida, principalmente a dúvida de que conseguimos, e tantas outras coisas. 

E mostramos um cronograma hipócrita exibindo a jornada acadêmica como a comunicamos, não como a vivemos. 

Ora, vamos lá, assumam que somos o caos! Porra, banca, acorda e pelo menos leiam toda a nossa tese! Facilitem a marcação da data. Sejam claros e objetivos na avaliação. Se concentrem no conteúdo, não nos erros de português que serão corrigidos por um revisor depois! E pelo menos, pelo menos, não nos olhem com aquele olhar de "do que você está falando?", quando você estiver lá na frente contando sobre como chegou até ali, a realidade. 

Todos os acadêmicos passam por isso. E se têm a incrível capacidade de não passar, deveriam ter um mínimo de empatia pela maioria que passa. E se passou e não tem empatia, vai procurar uma terapia! 

Sim. A risada do desespero é um desabafo. Porque é um sistema esmagador, cruel e que ignora a dor das pessoas. Mas pior que ignorar é não fornecer ferramentas para melhorar esse sistema. 

Como diz o sábio Frejat: "que você descubra que rir é bom, mas que rir de tudo é desespero". 


quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Você acha que a pandemia fodeu com a sua vida?

 É uma pergunta retórica para a maioria das pessoas, com certeza. Porque sim, a pandemia fodeu com vidas. Algumas, literalmente, outra, metaforicamente. Com a minha, fodeu de uma forma estranha. 

Porque não posso considerar uma foda ruim. Em 2020, eu comecei fazendo uma cirurgia e tive de prolongar minha licença médica do trabalho por mais um mês. Quando retornei, estava decidida a me demitir. Mas, tive a sorte de a minha demissão sair no dia em que voltei, em fevereiro. Tudo estava dando muito mais certo do que eu tinha planejado. A princípio, eu pediria demissão e não receberia indenização, nem o seguro desemprego, nem poderia tocar no meu FGTS. 

Mas como a demissão foi decisão da empresa, todos os benefícios estavam liberados. E para completar minha maré de boa sorte, consegui pegar uma concorrida bolsa de doutorado no mesmo mês! Me mudei para perto da universidade e estava desfazendo caixas de mudança, quando recebi a mensagem derradeira. 

Março de 2020. A pandemia tinha chegado arrombando a porta da nossa realidade. E a universidade fecharia por tempo indeterminado. 

Um mês, pensei, e tudo volta ao normal. Até gostei do mês de férias, pois tinha comprado um curso e queria muito estudar aquilo tudo. Fui morar com o namorado e os meses foram passando. Depois de cinco meses morando com ele, conversamos: era hora de oficializar. Entreguei meu apartamento perto da universidade, no qual eu havia morado por apenas duas semanas, e decidimos nos casar no final de outubro. 

Home Office, casamento, uma linda casa na floresta, até adotei um cachorro. Quem gostaria de mais no meio da pandemia? 

Não foi ruim. Mas então, a pandemia acabou. Com o fim da pandemia, senti falta do trabalho presencial, das atividades presenciais, de andar pela rua à noite, nos bairros movimentados onde eu morava. Ver gente, frequentar lugares diferentes, academia antes do trabalho. Acordar cedo. 

Nada voltou ao normal. 

Não tem essa história de novo normal, tudo parece virado do avesso. E só reparei bem agora, quatro anos e meio depois que a pandemia alterou meus planos. 

Parece que minha vida parou naquele mês de março de 2020 e nunca mais voltou ao "normal". 



quinta-feira, 8 de agosto de 2024

O que penso sobre o mundo e o absurdo de achar que alguém se importa

 Esta história que vou contar ocorreu faz uns anos. Na época, eu trabalhava em uma empresa de educação à distância que tinha em seus quadros, espaço para a contratação de estagiários. Para quem caminha no ingênuo universo da ilusão, saiba que estagiário é o nome que se dá a um cargo para alguém que tope fazer os trabalhos mais chatos e repetitivos, que qualquer idiota sabe fazer, com o menor salário que a empresa pode pagar, sem nenhum ônus, vulgo CLT. 

Eles são selecionados de forma simples, pois não se espera que tenham experiência, apenas boa vontade. Uma leitura básica no currículo, confirmar sua matrícula na universidade, uma entrevista para checar se a pessoa está mesmo a fim de trabalhar e pronto, a vaga é do estagiário. 

Por este motivo, volta e meia apareciam uns estagiários incrivelmente burros, mas esperto o suficiente para enganar a mocinha igualmente burra do RH, com as respostas certas para as perguntas estúpidas que ela faz. 

E a história que conto é com um desses estagiários. Ele não era da minha equipe, felizmente, mas como era da equipe que trabalhava de frente à minha na sala, acompanhei o drama muito de perto.

O nome, não me lembro. A universidade dele, lembro apenas que era uma dessas Uniqualquercoisaondeentraqualquerum. E botei reparo em sua figura quando na primeira semana de trabalho dele, interrompeu uma reunião minha com uma colega sênior para oferecer um livro. 

Era um livro escrito por ele. Entregou com um sorriso confiante, dizendo que era da Academia Seiládaonde de Letras. Lembro-me de conter minha primeira impressão desta abordagem: 

"Que coragem" - pensei. "Interromper uma reunião de seniores e entregar um livro escrito por ele. Um garoto de 19 anos". 

Ao ler o título do livro, lutei ainda mais para conter minha impressão dentro de minha mente. Não me lembro exatamente o título, mas era algo como: 

"O que penso sobre o mundo". 

Felizmente, minha colega sênior o respondeu amavelmente e ele saiu, deixando-nos a sós para continuar a reunião. Quando terminamos, voltei para meu trabalho e ao concluir o expediente, peguei o livro. Folheei e fui ao que me interessava: que editora toparia publicar um livro de um garoto de 19 anos com um título pretensioso destes?

A resposta veio rápida: nenhuma. 

O livro não tinha editora, nem ficha catalográfica. Parecia algo feito de forma independente. Você escreve, diagrama, faz a capa, manda publicar, paga tudo e distribui. Pronto. Assim nascem os livros independentes de garotos achistas de 19 anos que pensam que o que pensam sobre o mundo interessa a alguém. 

Mas, tudo bem. Eu não ia julgar o livro só pela capa. Comecei a ler. 

Parei. 

Continuei. 

Parei. 

Olhei para o livro, interrogativamente e reforcei minha primeira impressão: 

"Ele é muito mais corajoso do que eu tinha pensado inicialmente, porque o livro é uma completa bosta". 

Não perdi meu tempo lendo mais, deixei o livro ali, pois não merecia nem esbarrar na minha estante. Na semana seguinte, alguns comentários chegaram de colegas que tinha lido o tal do livro. Ninguém quis dizer em voz alta, claro, para não ferir os sentimentos do garoto, mas aos cochichos, a impressão de bosta era unânime. 

O livro merecia o prêmio de bosta. 

Eu não tinha dado mais atenção ao fato, tenho muita consciência de utilizar bem meu tempo, mas alguns colegas insistiam em comentar e eu então peguei o livro mais uma vez. Fui checar os antecedentes do garoto. 

 Descobri que ele tinha se candidatado a uma Academia Seiládaonde de Letras, mas fora recusado. O pai era militar e tinha bancado o livro, talvez pensando em alavancar a carreira do garoto. Mas, com certeza, sem nunca ter lido o que ele escreveu. Qualquer um que lesse, concordaria que queimar todas as edições era o melhor a ser feito pela carreira do garoto. 

Pobres criaturas que crescem sem um feedback realista de seu trabalho...

Porque o pior não era o livro. Era que o garoto era tão ruim trabalhando que durou apenas dois meses. E não era só ruim no trabalho, era péssimo em se relacionar com os colegas. Cantou todas as garotas. usava o chat de trabalho para isso. Encarou tanto uma estagiária minha que ela pediu para trocar de lugar. 

Recebeu quatro chances de ficar, feedbacks precisos e realistas dados por pessoas da área de educação e pedagogia. Quatro pessoas foram destacadas para ajudá-lo. Mas ele não aprendia o que fazer. Não conseguia entender nem o básico. Não aprendia nada, de forma alguma, mesmo mudando o tutor. 

Talvez fosse o QI, talvez fosse uma doença mental, mas com certeza era a ausência de uma postura realista em relação ao mundo. Apesar de todos os feedbacks, o rapaz era invariavelmente confiante e vaidoso, de uma forma que beirava ao narcisismo psicótico. Incapaz de uma autocrítica, incapaz de aprender com seus erros, pois acreditava ingenuamente que apenas acertava. 

Acreditava que o que pensava sobre o mundo era tão formidável que merecia ocupar as páginas de um livro. 

Pobre criatura, poupada de sua própria ignorância. E por isso, condenado a ser eternamente ignorante. 

sábado, 3 de agosto de 2024

Ansiedade e os olhos dos outros

 Faz um tempo, descobri que tenho uma condição neurotípica, Espectro Autista, para quem está familiarizado. Grau 1, o mais leve. Significa que consigo disfarçar razoavelmente bem, a ponto de dificultar o diagnóstico por muitos anos. 

Imagem de Alexander Antropov por Pixabay


Depois de descobri isso, comecei a perceber que a ansiedade que sinto ao conviver com humanos não é normal. E que minhas "birras" na infância que ocorriam quando eu não queria socializar não eram birras, era ansiedade. Que os tiques de corpo que tenho desde a infância e muitas vezes me constrangem, até hoje, tem um nome. E que sentir agonia com roupas apertadas, que envolvem o pescoço, ou que tem texturas específicas, não é motivo de autocensura. 

Enfim, várias outras características depois, descobri-me não tão estranha quanto muitos apontavam, mas uma pessoa absolutamente normal, com um diagnóstico que não exatamente significa a cura, mas uma adaptação mais eficaz. Não assumo para ninguém que sou Autista, pois as pessoas hoje acham que um diagnóstico é uma identidade e eu acho isso ridículo

Mas descobrir-me Autista me deixou mais confortável com minhas esquisitices e me deixou mais alerta para minha ansiedade. Por que me deixou mais alerta? Porque eu aprendi a disfarçar muito bem ao longo do tempo. As pessoas olham para mim e me veem como um poço de tranquilidade. Aprendi a modular a voz, treinei para falar como os melhores locutores e narradores. Desde criança, eu imitava a fala deles, fiz aulas de canto, fono e teatro, e assim, fui aprendendo a modular a voz de forma que ninguém que me ouça discursar sequer cogite que sou autista. 

Tenho boas expressões faciais e aprendi a sorrir largo, espremendo os olhos, pois assim é considerado o sorriso sincero. Foram muitas sessões de autocrítica para chegar neste nível de masking. 

Fiz balé para moderar os movimentos bruscos e caminhar de forma mais elegante e equilibrada. Fiz muitas aulas de tudo o que você consiga imaginar, para aprender a ser mais normal, como um humano normal. Minha maior dificuldade sempre foram os relacionamentos. É muito cansativo ter amigos, comparecer aos eventos que formam a amizade, cultivar o grupo. Tudo isso exige muita energia. Mas eu queria me relacionar, sempre careci de bons amigos. 

E sempre quis me desafiar. Sempre busquei fazer algo diferente. Eu tenho muitas zonas de conforto, mas me acostumei tanto a andar no desconfortável, que não me importava de me desafiar um pouco mais. 

Nunca tive a compreensão de um diagnóstico precoce. Desde criança, eu tive de me adaptar para não ficar de castigo, para não chatear as pessoas, para não ficar de lado dos grupos de brincadeiras, para não "ficar atrás" da irmã normal que socializava bem com todo mundo, para não parecer a pessoa esquisita do grupo. Para fingir que estava tudo bem e tirar o foco de mim, porque tudo o que eu queria era que me deixassem em paz, que respeitassem o meu espaço. 

Mas, você se acostuma a ter seu espaço desrespeitado. Você se acostuma a se fechar na sua mente, o único lugar que ninguém pode invadir. Pelo menos não quando você escolhe se fechar. E eu aprendi a me fechar para me proteger. Aprendi a transparecer calma e tranquilidade, quando eu só queria explodir. Quando eu só queria sair dali correndo e me isolar de tudo. 

Aprendi a mascarar tão bem que quase acreditei que era uma pessoa tranquila e relaxada. Em alguns momentos da minha vida, eu realmente me senti assim. Poucos, mas bons momentos. Mas então, a natureza inquieta da mente autista retornava, os tiques ressurgiam mais fortes, como se gritassem atenção, depois de um período de negligência. 

E tudo voltava. Ansiedade no topo, tiques no topo, estereotipias e dificuldades em manter os relacionamentos. 

Neste momento estou em um topo particularmente difícil. Sinto vontade de fugir e me esconder, mas a pressão do que devo concluir não me deixa em paz. Quero concluir, mas já não tenho mais força, nem energia. 

A mera noção dos olhos dos outros me faz perder o ritmo da respiração, faltar ar. A pressão embutida na mente desde a infância de que devo parecer normal, se tornou exaustiva. 

A pressão dos olhos dos outros se tornou um peso tão grande! E desde sempre me esforcei para fugir dos olhos dos outros. Mesmo assim, eles me perseguem. Enquanto eu quiser viver em meio aos humanos normais. Enquanto eu quiser me camuflar e participar. Enquanto eu quiser ter relacionamento e não me sentir só, devo me adaptar aos olhos dos outros. 

Mas por que algo que seria bom, como um relacionamento, se torna tão exaustivo para um autista? Por que não posso ter as duas coisas? A solidão compreensiva de mim comigo e um relacionamento companheiro e feliz? 

Estas são perguntas que aparecem nos momentos de crise, em que a ansiedade dói, literalmente, no corpo. Tem resposta? Não sei. Por enquanto, sei apenas que estou caminhando lentamente para o buraco. E posso apenas fazer duas coisas: cair de uma vez ou buscar ajuda externa para me afastar do buraco. 

No ritmo em que estou, a queda é inevitável, mas talvez demore ainda um tanto e vai prolongar esse sofrimento. Então, me resta a ajuda externa. 

Nunca confiei em médicos. Vou até eles. Mas nunca confio neles. São limitados e carentes de autoridade. Psiquiatras, neurologistas, endócrinos, etc... Os mais carentes são os dermatologistas. Patéticos. 

E terapeutas? Os piores! Psicólogos, todos os que conheci, completamente desequilibrados. Nada confiáveis, lentos em entender, torpes em sua lentidão, com julgamentos prontos, presos a seus preconceitos freudianos, jungianos, gestaltianos, etc...


Mesmo assim, às vezes, os procuro, mesmo sem confiar. Vou até eles com uma lista. Recito a lista, direciono seus achismos, pois descobri que assim os odeio menos. Já chego dizendo que tenho uma lista. E assim, tomo seus remédios, úteis apenas para os sintomas, nunca para a causa. 

A causa, meus queridos, está lá dentro, ninguém nunca saberá, a não ser você mesmo. Desde cedo, percebi que ninguém podia me ajudar, a não ser eu. Que o conhecimento era muito útil e continuar aprendendo me tornaria menos infeliz. Mas que há certas coisas que não adianta o quanto se tente, não estamos no ponto para aprender. 

Que ajuda externa é bom, mas apenas em momentos pontuais. Depender demais disso é burrice, dependência, vício, carência afetiva mal resolvida. 

Que depender dos outros é a pior coisa que você pode fazer por si mesmo. Mas você não é a pessoa mais inteligente do universo, então, se liga que o buraco está sempre a um passo seu para seu próprio umbigo. 

Que por mais que eu sofra, não vou desistir de continuar me adaptando. Pois não quero ser um arbusto, uma moita de bambu no meio da tempestade. Quero me levantar e sair andando quando eu quiser, para onde bem entender. 

Autismo não é identidade, é uma condição limitante. O que faço é entender esses limites e ir tateando até expandi-los, às vezes com carinho, às vezes na porrada mesmo. Porque toda condição existe para ensinar, não para se acomodar nela.