quinta-feira, 12 de setembro de 2024

O bem, o mal e a realidade

 Lá venho eu, novamente filosofar sobre coisas infilosofáveis. Mas eu não vou falar sobre o bem e o mal, vou falar sobre a realidade. 

A realidade é filosofável, mas sempre depende de um ponto de vista, já que não existe por si só. E é por isso que temos pessoas acreditando que a Terra é plana, criacionismo e teorias de conspiração por aí. A realidade só existe porque você a afirma do seu ponto de vista.

Ah, isso não significa que você pode chegar e dizer que a sua nota baixa na escola não existe porque você não a reconhece como realidade. Ou a sua dívida no cartão de crédito não existe, porque você não a vê. O buraco da realidade é muito mais fininho que isso. 

Trata-se de perceber o que acontece, pelos cinco sentidos e pela mente. É simples, na verdade. 


Visão: não podemos desver o que já vimos

Você pode até fechar os olhos, mas já era. Você viu, está visto e percebido. Virou realidade. Então, mesmo que você perceba que não queria ter visto e tente esquecer, o fato é que seu corpo ainda vai lembrar. Porque temos neurônios lembradores no corpo todinho. É! Não apenas no cérebro. 


Paladar: o bem e o mal existem e você pode escolher?

Parafrasear a música dos Titãs é divertido. Mas o bem e o mal não existem. Existe só a percepção pessoal sobre essas duas coisas. Se você questionar pra valer, vai perceber que as ações são boas e más ao mesmo tempo. Tipo, se eu coleto uma fruta na floresta para comer, estou tirando o alimento de outros seres que poderiam se alimentar. Me alimento e é bom, tiro o alimento de outros, é mal. 

Poxa, que complexo! É mesmo! E só pra dar na cara dos que se acham muito bonzinhos. 


Audição: eu ouço gente morta!

Sabiam que os sons do espaço que ouvimos com aparelhos especiais, são, na verdade, sons de ações ocorridas há centenas de milhares e zilhares de anos? A audição é uma percepção do corpo bastante influenciada pelo espaço no qual são produzidos. 

Os sons se deturpam com a acústica, viajam quilômetros no ar, confundem nosso sentido. Eu costumo ouvir em casa um ruído constante que não faço ideia de onde vem. Às vezes me dá uma agonia por não saber de onde vem e como parar, mas antes que isso vire esquizofrenia, prefiro parar de pensar. 


Tato: você só existe se é tocado

Sempre me lembro da história de uma criança que não enxergava, nem ouvia, nem falava. Ela tinha problemas de mobilidade e vivia em uma cama e morava em uma casa de acolhimento com várias outras crianças sem pais que pudessem assumir sua criação. 

Como a casa era pobre, ela não tinha quarto, vivia em sua cama, na sala, onde todos que passavam, a tocavam com carinho. Mas um dia, a casa ganhou um ambiente novo e a criança ganhou um quarto para si, todo bonito, reformado. Em pouco tempo, a criança adoeceu, tinha febre constante. Os cuidadores da casa percebiam que a febre passava quando eles estavam por perto, quando a criança era tocada. E então perceberam que o tato era a única linguagem daquela criança cega, surda e muda. Ela apenas podia se sentir viva, se fosse tocada. 

Todos os seres precisam do toque, porque ele valida sua existência. Os afetos fundamentais são validados pelo toque. 


Olfato: sentir fedor é melhor que sentir nada

Alguém aí sabe por que o nariz fica em cima da boca? É para podermos cheirar a comida antes de comê-la. De outra forma, não saberíamos se está boa ou estragada. O olfato garante que a gente não morra envenenado. Valida a realidade da comida. 


Mente: essa confusão que precisa de foco

Por fim, essa benção-maldição que é a mente. Uma porrada de sensações circulando e a necessidade de apenas um foco para não se perder no caminho de casa. A mente de todas as pessoas é hipertextual, cheia de vais e vens, pensamentos aleatórios e fluxos de caminhos infinitos. 

E o que deixa a pessoa feliz? Foco. Sim. Só isso. Não é não pensar. É focar no que está acontecendo agora e deixar o resto passar, sem se apegar a nada. 

Afinal, qual a vantagem de pensar em pijamas, quando se vê bananas, porque você assistiu a uma série quando era criança e sua TV tinha uma tela cinza com um desvio colorido, porque seu irmão colou um ímã na tela e sua mãe tinha um avental azul florido e o jardim tinha um cimento cheio de musgo...

Entendeu? 


sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Entre a realidade e a ficção, o mundo é uma ilusão comprada

 "A realidade é mais estranha que a ficção. A diferença entre a verdade e a ficção é que a ficção faz mais sentido". 

Mark Twain (1835-1910)


Mark Twain podia ter lá seus motivos particulares para preferir a ficção à realidade. Afinal, cada escritor tem seus próprios motivos. Imaginar é o que diferencia os seres humanos de todos os outros seres. 
Sim, imaginar, não racionalizar. 

Porque nossa razão é refém da imaginação e da emoção. Não vou me aprofundar nisso, mas se você quiser, reflita sobre o fato de que a razão simples, vamos pegar como exemplo a matemática, só se desenvolve por conta de uma "atração" do humano a este tipo de conteúdo. 

E atração não é razão, é emoção. 

Nos atraímos pelo racional, ou por qualquer outra coisa, porque imaginamos. Criamos em nossa mente uma ilusão projetada, a todo instante de nossas vidas. Desde o simples abrir os olhos pela manhã, até o que vamos comer quando sentimos fome. 

Mas, sobretudo, em nossos relacionamentos. O afeto é primeiramente imaginado. Queremos algo, logo, abrimos as portas do nosso ser para obter este algo. Um amor, por exemplo. Então, o corpo responde. Você bate o olhar em um fulaninho e seu coração acelera. Amor à primeira vista? Não, só uma resposta biológica à imaginação. 

Sua mente flutuou naquelas carnes do fulaninho e você imaginou instantaneamente o toque. O toque é o afeto consolidado. Tão antigo e tão desejado para todo mamífero que cresceu no útero quentinho de uma mãe e foi cuidado até que pudesse se cuidar sozinho. Sem o toque, sofremos de carência de existir. Se não nos tocássemos, poderíamos duvidar de nossa existência. 

O amor, então, meus caros, é apenas uma projeção do toque, que conduz nossa biologia ao desejo de efetivar esta projeção. Imaginamos o quanto seremos felizes ao consolidar este toque. Quando não consolidamos, o desejo permanece. E deve ser transferido, ou nos ferirá. 

Os escritores transferem o desejo não realizado para as palavras. As histórias nascem dos afetos não realizados, das carências latentes no ser humano. E é tão universal, que ler, assistir, escrever, imaginar faz parte do nosso dia a dia e a maioria das pessoas não percebe. 

Conheço muita gente que diz não gostar de ficção, mas pira em um livro de teoria da conspiração, acredita nas ideias mais estapafúrdias sobre dominação política e social. Estes são os mais fáceis de manipular, pois não conhecer o poder da ficção. O poder de criar a própria história e torná-la crível. 

Essa ilusão é vendida de várias formas e não só os incautos caem. Todo ser humano cai. Porque a carência afetiva é o que faz esse mundo girar. Faz ditadores ascenderem e caírem. Faz o racionalismo tentar esmagar o sentimentalismo. É flagrante e notório para quem consegue enxergar. 

O poder da ficção é o poder de criar o mundo. Criar os deuses. Deus é fruto deste poder. Acham que Deus criou o mundo e os humanos? Meus caros, é o contrário. Os humanos criaram Deus e o mundo. Deus é fruto da enorme carência afetiva do ser humano querendo um pai, um salvador, alguém para livrá-lo das dores e sofrimentos. 

Compra quem quer. Depois de saber que criamos os deuses, podemos continuar a acreditar em nossas criações. Ou não. Mas a maioria nunca chega a saber disso o suficiente para opinar. A ilusão já está comprada para ela e ela perdeu o recibo. 

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Wattpad, uma fábrica de autofantasias

"O ser humano é mesmo uma caixinha de fazer e pensar merda". 

Wattpad. Para quem não está familiarizado, uma plataforma onde as pessoas entram para ler e publicar o que quiserem. O que quiserem? Sim. Qualquer merda que quiserem. 

As categorias mais populares são: 

Fanfics, que são histórias criadas por fãs sobre histórias já existentes (ô falta de imaginação). Li alguns há muito tempo, a maioria é escrito muito mal. 

Imagines, um tipo de história bizarra na qual a pessoa escreve sobre uma celebridade, cenas que imaginou com ela. Ah é, bizarro mesmo. Não tive coragem de ler, mas entendi pelas sinopses que rola muito fetiche com artista de kpop, jogador de futebol, enfim...

Hot, histórias eróticas, pornô leve ou pornô pesado, que as pessoas usam... acho que para se masturbar, porque têm títulos como "Possuída pelo CEO", "Grávida do chefe", "Vendida para o dono do morro". Eu li um deles, chamado de Contos Eróticos, mas achei tão sem imaginação, que larguei antes de finalizar o primeiro capítulo. A pessoa que escreveu nunca deve ter lido nada do Marquês de Sade. 

Fantasia de RPG, histórias nerds com elfos, magos, trolls, fadas, anões, enfim, essa laia toda. Chaaaato, cansativo e repetitivo. Tentei ler alguns. Juro. 

O resto. Romances, histórias de terror, zumbis, todos os outros gêneros. A maioria com roteiros iguais a todos os outros clichês muito ruins e sem graça, histórias sem pé nem cabeça, absurdamente mal escritas. Sério, escritores que não acertam as palavras nem no título. A maioria uma grande e enorme merda, que não merece atenção alguma. Mas, acredite se quiser, visitei alguns dos livros mais lidos da plataforma, na casa dos milhões de views e... sim, a maioria é lixo não reciclável. 

Quanto mais entendo as funcionalidades do ChatGPT e outras IAs de texto, percebo como a maioria dos humanos é substituível. Porque, se for para criar uma porcaria de texto, demande ao ChatGPT, ele vai criar um que, pelo menos, não tem erros de português. Originais não serão, interessantes talvez, surpreendentes, não digo, mas sem erros, isso sim, serão. 

A imagem ao lado foi gerada por IA. Mas meu texto não. 

A indústria do entretenimento se tornou tão mais do mesmo, que até me surpreendo quando encontro algum livro bom. Geralmente ao acaso. O último que li foi "Tudo é rio", de Carla Madeira. Um maravilhoso e raro acaso e levei o livro. Li com prazer, um prazer que há anos não sentia em uma literatura inesperada. 

Em um próximo post, eu posso contar como faço para selecionar os livros que considero bons, mas para finalizar esse post aqui, só vou dizer uma coisa: Wattpad é ruim, mas se você nunca experimentou, vai lá, sem julgamentos, lê de tudo um pouco e crie sua própria opinião. 

Aliás, é para isso que os livros servem. Criar experiências novas, imaginadas, abrir novas fronteiras para a mente. Se não é para isso, é autofantasia, mera fuga da realidade, entretenimento barato. 

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Dramas adolescentes, TV, séries e animes inclassificáveis

Estou a fim de escrever sobre entretenimento de TV, porque reparei que as séries que tratam de temas escolares e normalmente giram em torno do drama escolar adolescente, podem ser categorizadas em dois subgêneros. 

Elas exploram os conflitos internos e externos desta fase da vida, como bullying na escola, conflitos e dificuldades de relacionamento com colegas, amigos e pais, primeiras experiências sexuais, conflito de gerações, dificuldade em entender as próprias emoções, baixa autoestima, mudanças no corpo, escolha de carreira profissional e ansiedade em relação ao futuro. 

Todo mundo aqui já passou por isso e vai lembrar destes dramas, por isso o gênero não é exatamente voltado para o público adolescente, mas para jovens adultos, principalmente os que abordam questões mais adultas. Não por acaso, os elencos costumam ter idade variada. 

Depois de assistir pelo menos o primeiro capítulo de algumas séries, alguns filmes e animes, comecei a subdividir o gênero em dois:

- Subgênero adolescentes adultos
- Subgênero adolescentes infantis

No subgênero adolescentes adultos, a vida sexual importa e chega a ser plot central em alguns momentos. Ou está bem explícito nos diálogos e na interação entre as personagens. A descoberta da própria personalidade também é um assunto central e o consumo de álcool e drogas costuma ser bem explícito. O elenco é formado por jovens a partir de 18 anos, pois o temas abordados são mais sensíveis e geralmente têm censura 16+. 

Alguns exemplos: O Internato: Las Cumbres; Elite; Young Royals; High School Musical; Sex Education; Rebeldes; Euphoria; Awkward; Verônica Mars; On My Block; Heart Break High: Onde tudo acontece; Control Z; Sangue e Água. 

Já no subgênero adolescentes infantis, os dramas adolescentes que mais aparecem são autoestima, bullying, conflito de gerações, mudanças no corpo e autoafirmação no mundo diante da ansiedade em relação à carreira e futuro. O elenco é formado por adolescentes mesmo, pegos a partir de 11, 12 ou 13 anos. Por isso, os temas são tratados de forma mais leve, pois é feito para este público alvo e não tem censura. Além disso, ninguém quer traumatizar ou influenciar negativamente o público enquanto trata os assuntos normais da idade. 

Alguns exemplos são: iCarly; Wandinha (virou censura 16+ apenas pelas falas sarcásticas da personagem principal); Heartstopper; Love 101; Cobra Kai. 
Filmes: Escola de Rock; Curtindo a vida adoidado; Harry Potter; Meninas Malvadas (sim, tem censura 12+); 10 coisas que odeio em você. 

Algo interessante neste subgênero é que nas séries deste tipo, como os atores vão crescendo com a trama, é comum que os assuntos se tornem mais adultos com o tempo. 

É o caso de Harry Potter. A partir do terceiro filme, o enredo vai ficando menos infantil e os últimos filmes tiveram censura 13+ pela violência. iCarly é um caso interessante, se manteve no besteirol, pois o plot era de comédia, mas abordava muitos o tema de relacionamentos românticos, mas de forma mais inocente. 

E Meninas Malvadas coloquei nesta categoria porque apesar de tratar muito de romances, foca em conflitos de identidade e bullying. 


Alguns desses títulos eu assisti, a maioria pesquisei e perguntei por aí. Mas se você tiver algum para a classificação, põe pra jogo nos comentários. 

Séries inclassificáveis

Esses dias, resolvi assistir, meio por nostalgia ao primeiro episódio de Sailor Moon, o anime clássico dos anos 1990, cuja classificação indicativa é 10+. Uma série bobinha, infantil, com temas tolinhos de construção da personalidade com superpoderes. É isso? 

Gente, não! Os japoneses são meio estranhos nas narrativas que consideram infantis. Quem não se lembra de Yu Yu Hakushô e Dragon Ball? Séries para adolescentes que tinham muitas entrelinhas de conotação sexual. Algumas foram censuradas quando aportaram no ocidente. Mas para o público japonês, ok, ter nudes descarados, fazer menções a peitos, bundas, torres nos buracos. 

Sailor Moon no Brasil tem censura 14+ e vem com aviso de conteúdo sexual, temas sensíveis e linguagem imprópria. Pois é. Aí, entram duas reflexões minhas: ou é mesmo a linguagem japonesa que é diferente da ocidental e não liga para censura de temas assim; ou a série é antiga (1990) e como hoje a sociedade é muitíssimo mais careta, tacamos rótulos de censura em tudo que é lugar. 


Um pouco dos dois é o que eu penso. Mas sim, a sociedade careta em que vivemos é um saco. As crianças são protegidas de conteúdos assim por qual motivo exatamente? Porque uma mente infantil não vê conteúdo sexual em Sailor Moon. Mas pode ser influenciada pelo machismo e idealização do corpo magro que existem em praticamente todas as produções japonesas, coreanas e chinesas, desde sempre. 

A sexualização das personagens de anime que, concordo, é exagerada, pode ser uma influência ruim para as crianças. Mas a exposição das fotos de bebês desde o nascimento não é uma influência pior ainda? Pode, inclusive, ser usada por pedófilos digitais. Sinceramente, acho que isso traumatiza mais, por ser pessoal. 

Não quero encerrar a discussão com apenas essas parcas reflexões, por isso a deixo em aberto. Se alguém quiser emendar, fica à vontade. E se algum dia eu tiver vontade, volto a escrever sobre isso. 

domingo, 18 de agosto de 2024

Como a humanidade está emburrecendo com coisas como a cultura do cancelamento

Quem já viu o filme Idiocracia ou a série brasileira A Eleita, tem que concordar comigo: a humanidade está emburrecendo velozmente. E dá medo disso, quando as evidências científicas mostram que, pela primeira vez na História, o QI da nova geração é mais baixo que o da geração anterior. 

Sentados à beira do abismo, sem nem perceber, enquanto se movem como manadas de bois, manipulados por telas brilhantes. As pessoas não querem gastar energia pensando nem um pouquinho. Aceitam sem questionar a opinião, fatos falsos, o cancelamento, linchamento moral de pessoas, a candidatura de pessoas estúpidas e mal intencionadas a cargos públicos. Acreditam mais na tiazinha do Zapzap que na ciência. É muita burrice circulando.

É triste, eu sei, mas a verdade é que quando a internet passou a dar voz a idiotas, todo e qualquer idiota ganhou o poder de influenciar, ser ouvido e seguido. Idiotas se lançam candidatos, apenas para aumentar sua influência, como aquele tal de Pablo Marçali. É muito evidente que ele não quer ser eleito, porque isso implicaria em assumir responsabilidades para as quais obviamente não está preparado e não está nem aí. 

Ele só quer o farol, a fama, mostrar o quanto ficou rico de uma candidatura a outra para vender mais curso online de como ficar rico

E o bando de ignorantes, incluo aqui a imprensa, que são os ignorantes indefensáveis, comenta, faz farol, critica, opina. Como se ele fosse importante! Como se realmente ele fosse um candidato sério! Será que ninguém percebe suas reais intenções, ou gosta de perder tempo, comentando o incomentável? 

Cultura do Cancelamento

Faz um tempinho, o Dalai Lama cometeu um deslize em público: fez uma brincadeira tosca com uma criança, envolvendo a própria língua. Eu vi a cena, não tinha nada de sexual ou erótico naquilo. Ele simplesmente aloprou ao fazer o que considerava uma brincadeira. 

Quem convive com velhos sabe que eles às vezes saem da casinha de uma forma bem drástica. Falta noção, falta memória, falta já um monte de coisa na cabeça do velho. É real, todo mundo vai passar por isso, se der sorte. Se não der sorte, vai ter uma vida curta. Se der certo, todo mundo envelhece um dia. E o Dalai tem quase 90 anos. 

E a internet caiu em cima, cancelou o ancião, como se ele fosse um pedófilo, criminoso desgraçado. 

Até aquela tal de Xuxa falou do Dalai Lama como se o conhecesse, condenando e acusando. A mesma pessoa que poucos dias antes estava em documentário e imprensa falando de seu passado, do quanto era julgada pela aparência, coisa e tal. O tamanho da hipocrisia é... grande. 

Aí, eu pergunto: onde foi parar a capacidade de pensar das pessoas? De refletir sobre uma questão muito óbvia: um velho de 90 anos que é monge desde os 3 anos de idade, vigiado desde neném, em sua conduta, não tem nenhum interesse sexual em uma criança. Ele apenas cometeu uma gagazisse de velho. 

E todos comentam como se não pudessem pensar. Amam sentirem que estão na maioria, mesmo que a maioria seja ignorante. Inclusive a tal da Xuxa, cuja opinião é tão importante para o mundo quanto a de um adolescente que não perdeu a virgindade, mas opina sobre sexo. 


Ok, Xuxa é a tal rainha dos baixinhos, uma criança que nunca cresceu. Mas ela ilustra bem o quanto a humanidade se tornou refém de sua própria infantilidade. Sem capacidade de raciocinar, segue a manada, opinando sobre tudo o que não conhece. 

Isso tem nome: Efeito Dunning-Kruger. Ou: quanto mais ignorante em determinado assunto, mais confiante a pessoa se sente ao opinar sobre ele. É um problema de economia cognitiva, ou seja, quanto mais burra a pessoa, mais certeza ela tem sobre tudo. 

E aí, vai lá e cancela, sem saber, sem ter experiência, nem conhecimento, nem capacidade de refletir. Gente, somos humanos! E humanos são conhecidos por raciocinar. Se perdermos a racionalidade, nos sobra apenas as telas iluminadas levando os ignorantes a decisões estúpidas e animalescas de manada.

O cancelamento é uma censura da manada que não quer e nem tem capacidade mental para lidar com assuntos sérios. Por isso, cancela, como uma criança birrenta se jogando no chão do supermercado porque quer doce.  

E eu, concordo com Bertrand Russell (Triunfo da estupidez), que define bem assim: 

“A principal causa dos problemas no mundo de hoje é que os idiotas estão cheios de certeza enquanto as pessoas inteligentes estão cheias de dúvida.” 

sábado, 17 de agosto de 2024

A risada do desespero

Estava fuçando em arquivos antigos de aula e me deparei com esta imagem: 


E ela me fez rir. 

Porque é verdade. É real. Porque o que vivemos é a confusão caótica da segunda linha "The Reality as it actually happened". O doutorado é isso. Esse caos infinito, confuso e estressante, do qual 75% dos estudantes sucumbirão a alguma doença mental. 

Mas na hora de defender diante da banca, relatamos apenas o que os critérios exigem, ou seja comunicamos a primeira linha "The Reality as we communicated". Engolimos o choro, o desespero, o caos mental, os remédios, as horas de terapia, a falta de grana, as bolsas defasadas, a falta de um bom plano de saúde, a insônia, os pesadelos, as doenças somáticas, a dúvida, principalmente a dúvida de que conseguimos, e tantas outras coisas. 

E mostramos um cronograma hipócrita exibindo a jornada acadêmica como a comunicamos, não como a vivemos. 

Ora, vamos lá, assumam que somos o caos! Porra, banca, acorda e pelo menos leiam toda a nossa tese! Facilitem a marcação da data. Sejam claros e objetivos na avaliação. Se concentrem no conteúdo, não nos erros de português que serão corrigidos por um revisor depois! E pelo menos, pelo menos, não nos olhem com aquele olhar de "do que você está falando?", quando você estiver lá na frente contando sobre como chegou até ali, a realidade. 

Todos os acadêmicos passam por isso. E se têm a incrível capacidade de não passar, deveriam ter um mínimo de empatia pela maioria que passa. E se passou e não tem empatia, vai procurar uma terapia! 

Sim. A risada do desespero é um desabafo. Porque é um sistema esmagador, cruel e que ignora a dor das pessoas. Mas pior que ignorar é não fornecer ferramentas para melhorar esse sistema. 

Como diz o sábio Frejat: "que você descubra que rir é bom, mas que rir de tudo é desespero". 


quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Você acha que a pandemia fodeu com a sua vida?

 É uma pergunta retórica para a maioria das pessoas, com certeza. Porque sim, a pandemia fodeu com vidas. Algumas, literalmente, outra, metaforicamente. Com a minha, fodeu de uma forma estranha. 

Porque não posso considerar uma foda ruim. Em 2020, eu comecei fazendo uma cirurgia e tive de prolongar minha licença médica do trabalho por mais um mês. Quando retornei, estava decidida a me demitir. Mas, tive a sorte de a minha demissão sair no dia em que voltei, em fevereiro. Tudo estava dando muito mais certo do que eu tinha planejado. A princípio, eu pediria demissão e não receberia indenização, nem o seguro desemprego, nem poderia tocar no meu FGTS. 

Mas como a demissão foi decisão da empresa, todos os benefícios estavam liberados. E para completar minha maré de boa sorte, consegui pegar uma concorrida bolsa de doutorado no mesmo mês! Me mudei para perto da universidade e estava desfazendo caixas de mudança, quando recebi a mensagem derradeira. 

Março de 2020. A pandemia tinha chegado arrombando a porta da nossa realidade. E a universidade fecharia por tempo indeterminado. 

Um mês, pensei, e tudo volta ao normal. Até gostei do mês de férias, pois tinha comprado um curso e queria muito estudar aquilo tudo. Fui morar com o namorado e os meses foram passando. Depois de cinco meses morando com ele, conversamos: era hora de oficializar. Entreguei meu apartamento perto da universidade, no qual eu havia morado por apenas duas semanas, e decidimos nos casar no final de outubro. 

Home Office, casamento, uma linda casa na floresta, até adotei um cachorro. Quem gostaria de mais no meio da pandemia? 

Não foi ruim. Mas então, a pandemia acabou. Com o fim da pandemia, senti falta do trabalho presencial, das atividades presenciais, de andar pela rua à noite, nos bairros movimentados onde eu morava. Ver gente, frequentar lugares diferentes, academia antes do trabalho. Acordar cedo. 

Nada voltou ao normal. 

Não tem essa história de novo normal, tudo parece virado do avesso. E só reparei bem agora, quatro anos e meio depois que a pandemia alterou meus planos. 

Parece que minha vida parou naquele mês de março de 2020 e nunca mais voltou ao "normal". 



quinta-feira, 8 de agosto de 2024

O que penso sobre o mundo e o absurdo de achar que alguém se importa

 Esta história que vou contar ocorreu faz uns anos. Na época, eu trabalhava em uma empresa de educação à distância que tinha em seus quadros, espaço para a contratação de estagiários. Para quem caminha no ingênuo universo da ilusão, saiba que estagiário é o nome que se dá a um cargo para alguém que tope fazer os trabalhos mais chatos e repetitivos, que qualquer idiota sabe fazer, com o menor salário que a empresa pode pagar, sem nenhum ônus, vulgo CLT. 

Eles são selecionados de forma simples, pois não se espera que tenham experiência, apenas boa vontade. Uma leitura básica no currículo, confirmar sua matrícula na universidade, uma entrevista para checar se a pessoa está mesmo a fim de trabalhar e pronto, a vaga é do estagiário. 

Por este motivo, volta e meia apareciam uns estagiários incrivelmente burros, mas esperto o suficiente para enganar a mocinha igualmente burra do RH, com as respostas certas para as perguntas estúpidas que ela faz. 

E a história que conto é com um desses estagiários. Ele não era da minha equipe, felizmente, mas como era da equipe que trabalhava de frente à minha na sala, acompanhei o drama muito de perto.

O nome, não me lembro. A universidade dele, lembro apenas que era uma dessas Uniqualquercoisaondeentraqualquerum. E botei reparo em sua figura quando na primeira semana de trabalho dele, interrompeu uma reunião minha com uma colega sênior para oferecer um livro. 

Era um livro escrito por ele. Entregou com um sorriso confiante, dizendo que era da Academia Seiládaonde de Letras. Lembro-me de conter minha primeira impressão desta abordagem: 

"Que coragem" - pensei. "Interromper uma reunião de seniores e entregar um livro escrito por ele. Um garoto de 19 anos". 

Ao ler o título do livro, lutei ainda mais para conter minha impressão dentro de minha mente. Não me lembro exatamente o título, mas era algo como: 

"O que penso sobre o mundo". 

Felizmente, minha colega sênior o respondeu amavelmente e ele saiu, deixando-nos a sós para continuar a reunião. Quando terminamos, voltei para meu trabalho e ao concluir o expediente, peguei o livro. Folheei e fui ao que me interessava: que editora toparia publicar um livro de um garoto de 19 anos com um título pretensioso destes?

A resposta veio rápida: nenhuma. 

O livro não tinha editora, nem ficha catalográfica. Parecia algo feito de forma independente. Você escreve, diagrama, faz a capa, manda publicar, paga tudo e distribui. Pronto. Assim nascem os livros independentes de garotos achistas de 19 anos que pensam que o que pensam sobre o mundo interessa a alguém. 

Mas, tudo bem. Eu não ia julgar o livro só pela capa. Comecei a ler. 

Parei. 

Continuei. 

Parei. 

Olhei para o livro, interrogativamente e reforcei minha primeira impressão: 

"Ele é muito mais corajoso do que eu tinha pensado inicialmente, porque o livro é uma completa bosta". 

Não perdi meu tempo lendo mais, deixei o livro ali, pois não merecia nem esbarrar na minha estante. Na semana seguinte, alguns comentários chegaram de colegas que tinha lido o tal do livro. Ninguém quis dizer em voz alta, claro, para não ferir os sentimentos do garoto, mas aos cochichos, a impressão de bosta era unânime. 

O livro merecia o prêmio de bosta. 

Eu não tinha dado mais atenção ao fato, tenho muita consciência de utilizar bem meu tempo, mas alguns colegas insistiam em comentar e eu então peguei o livro mais uma vez. Fui checar os antecedentes do garoto. 

 Descobri que ele tinha se candidatado a uma Academia Seiládaonde de Letras, mas fora recusado. O pai era militar e tinha bancado o livro, talvez pensando em alavancar a carreira do garoto. Mas, com certeza, sem nunca ter lido o que ele escreveu. Qualquer um que lesse, concordaria que queimar todas as edições era o melhor a ser feito pela carreira do garoto. 

Pobres criaturas que crescem sem um feedback realista de seu trabalho...

Porque o pior não era o livro. Era que o garoto era tão ruim trabalhando que durou apenas dois meses. E não era só ruim no trabalho, era péssimo em se relacionar com os colegas. Cantou todas as garotas. usava o chat de trabalho para isso. Encarou tanto uma estagiária minha que ela pediu para trocar de lugar. 

Recebeu quatro chances de ficar, feedbacks precisos e realistas dados por pessoas da área de educação e pedagogia. Quatro pessoas foram destacadas para ajudá-lo. Mas ele não aprendia o que fazer. Não conseguia entender nem o básico. Não aprendia nada, de forma alguma, mesmo mudando o tutor. 

Talvez fosse o QI, talvez fosse uma doença mental, mas com certeza era a ausência de uma postura realista em relação ao mundo. Apesar de todos os feedbacks, o rapaz era invariavelmente confiante e vaidoso, de uma forma que beirava ao narcisismo psicótico. Incapaz de uma autocrítica, incapaz de aprender com seus erros, pois acreditava ingenuamente que apenas acertava. 

Acreditava que o que pensava sobre o mundo era tão formidável que merecia ocupar as páginas de um livro. 

Pobre criatura, poupada de sua própria ignorância. E por isso, condenado a ser eternamente ignorante. 

sábado, 3 de agosto de 2024

Ansiedade e os olhos dos outros

 Faz um tempo, descobri que tenho uma condição neurotípica, Espectro Autista, para quem está familiarizado. Grau 1, o mais leve. Significa que consigo disfarçar razoavelmente bem, a ponto de dificultar o diagnóstico por muitos anos. 

Imagem de Alexander Antropov por Pixabay


Depois de descobri isso, comecei a perceber que a ansiedade que sinto ao conviver com humanos não é normal. E que minhas "birras" na infância que ocorriam quando eu não queria socializar não eram birras, era ansiedade. Que os tiques de corpo que tenho desde a infância e muitas vezes me constrangem, até hoje, tem um nome. E que sentir agonia com roupas apertadas, que envolvem o pescoço, ou que tem texturas específicas, não é motivo de autocensura. 

Enfim, várias outras características depois, descobri-me não tão estranha quanto muitos apontavam, mas uma pessoa absolutamente normal, com um diagnóstico que não exatamente significa a cura, mas uma adaptação mais eficaz. Não assumo para ninguém que sou Autista, pois as pessoas hoje acham que um diagnóstico é uma identidade e eu acho isso ridículo

Mas descobrir-me Autista me deixou mais confortável com minhas esquisitices e me deixou mais alerta para minha ansiedade. Por que me deixou mais alerta? Porque eu aprendi a disfarçar muito bem ao longo do tempo. As pessoas olham para mim e me veem como um poço de tranquilidade. Aprendi a modular a voz, treinei para falar como os melhores locutores e narradores. Desde criança, eu imitava a fala deles, fiz aulas de canto, fono e teatro, e assim, fui aprendendo a modular a voz de forma que ninguém que me ouça discursar sequer cogite que sou autista. 

Tenho boas expressões faciais e aprendi a sorrir largo, espremendo os olhos, pois assim é considerado o sorriso sincero. Foram muitas sessões de autocrítica para chegar neste nível de masking. 

Fiz balé para moderar os movimentos bruscos e caminhar de forma mais elegante e equilibrada. Fiz muitas aulas de tudo o que você consiga imaginar, para aprender a ser mais normal, como um humano normal. Minha maior dificuldade sempre foram os relacionamentos. É muito cansativo ter amigos, comparecer aos eventos que formam a amizade, cultivar o grupo. Tudo isso exige muita energia. Mas eu queria me relacionar, sempre careci de bons amigos. 

E sempre quis me desafiar. Sempre busquei fazer algo diferente. Eu tenho muitas zonas de conforto, mas me acostumei tanto a andar no desconfortável, que não me importava de me desafiar um pouco mais. 

Nunca tive a compreensão de um diagnóstico precoce. Desde criança, eu tive de me adaptar para não ficar de castigo, para não chatear as pessoas, para não ficar de lado dos grupos de brincadeiras, para não "ficar atrás" da irmã normal que socializava bem com todo mundo, para não parecer a pessoa esquisita do grupo. Para fingir que estava tudo bem e tirar o foco de mim, porque tudo o que eu queria era que me deixassem em paz, que respeitassem o meu espaço. 

Mas, você se acostuma a ter seu espaço desrespeitado. Você se acostuma a se fechar na sua mente, o único lugar que ninguém pode invadir. Pelo menos não quando você escolhe se fechar. E eu aprendi a me fechar para me proteger. Aprendi a transparecer calma e tranquilidade, quando eu só queria explodir. Quando eu só queria sair dali correndo e me isolar de tudo. 

Aprendi a mascarar tão bem que quase acreditei que era uma pessoa tranquila e relaxada. Em alguns momentos da minha vida, eu realmente me senti assim. Poucos, mas bons momentos. Mas então, a natureza inquieta da mente autista retornava, os tiques ressurgiam mais fortes, como se gritassem atenção, depois de um período de negligência. 

E tudo voltava. Ansiedade no topo, tiques no topo, estereotipias e dificuldades em manter os relacionamentos. 

Neste momento estou em um topo particularmente difícil. Sinto vontade de fugir e me esconder, mas a pressão do que devo concluir não me deixa em paz. Quero concluir, mas já não tenho mais força, nem energia. 

A mera noção dos olhos dos outros me faz perder o ritmo da respiração, faltar ar. A pressão embutida na mente desde a infância de que devo parecer normal, se tornou exaustiva. 

A pressão dos olhos dos outros se tornou um peso tão grande! E desde sempre me esforcei para fugir dos olhos dos outros. Mesmo assim, eles me perseguem. Enquanto eu quiser viver em meio aos humanos normais. Enquanto eu quiser me camuflar e participar. Enquanto eu quiser ter relacionamento e não me sentir só, devo me adaptar aos olhos dos outros. 

Mas por que algo que seria bom, como um relacionamento, se torna tão exaustivo para um autista? Por que não posso ter as duas coisas? A solidão compreensiva de mim comigo e um relacionamento companheiro e feliz? 

Estas são perguntas que aparecem nos momentos de crise, em que a ansiedade dói, literalmente, no corpo. Tem resposta? Não sei. Por enquanto, sei apenas que estou caminhando lentamente para o buraco. E posso apenas fazer duas coisas: cair de uma vez ou buscar ajuda externa para me afastar do buraco. 

No ritmo em que estou, a queda é inevitável, mas talvez demore ainda um tanto e vai prolongar esse sofrimento. Então, me resta a ajuda externa. 

Nunca confiei em médicos. Vou até eles. Mas nunca confio neles. São limitados e carentes de autoridade. Psiquiatras, neurologistas, endócrinos, etc... Os mais carentes são os dermatologistas. Patéticos. 

E terapeutas? Os piores! Psicólogos, todos os que conheci, completamente desequilibrados. Nada confiáveis, lentos em entender, torpes em sua lentidão, com julgamentos prontos, presos a seus preconceitos freudianos, jungianos, gestaltianos, etc...


Mesmo assim, às vezes, os procuro, mesmo sem confiar. Vou até eles com uma lista. Recito a lista, direciono seus achismos, pois descobri que assim os odeio menos. Já chego dizendo que tenho uma lista. E assim, tomo seus remédios, úteis apenas para os sintomas, nunca para a causa. 

A causa, meus queridos, está lá dentro, ninguém nunca saberá, a não ser você mesmo. Desde cedo, percebi que ninguém podia me ajudar, a não ser eu. Que o conhecimento era muito útil e continuar aprendendo me tornaria menos infeliz. Mas que há certas coisas que não adianta o quanto se tente, não estamos no ponto para aprender. 

Que ajuda externa é bom, mas apenas em momentos pontuais. Depender demais disso é burrice, dependência, vício, carência afetiva mal resolvida. 

Que depender dos outros é a pior coisa que você pode fazer por si mesmo. Mas você não é a pessoa mais inteligente do universo, então, se liga que o buraco está sempre a um passo seu para seu próprio umbigo. 

Que por mais que eu sofra, não vou desistir de continuar me adaptando. Pois não quero ser um arbusto, uma moita de bambu no meio da tempestade. Quero me levantar e sair andando quando eu quiser, para onde bem entender. 

Autismo não é identidade, é uma condição limitante. O que faço é entender esses limites e ir tateando até expandi-los, às vezes com carinho, às vezes na porrada mesmo. Porque toda condição existe para ensinar, não para se acomodar nela. 

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Liberdade é mesmo uma boa coisa?

Ouvi a história de um monge Budista que vivia entre a China e o Tibet e certa vez, ele se despediu de seus discípulos, pois ia fazer um retiro solitário nas montanhas. Quando os monges budistas resolvem fazer retiros solitários, eles não sabem quando e se voltarão, pode durar meses, anos, décadas, ninguém sabe. 

Então, ele se despediu e foi. E alguns discípulos se dispuseram a levar alimentos de vez em quando, até o local onde ele ficaria. Ocorre que bem no período em que ele estava na montanha, eclodiu um conflito e ele foi pego pelo país vizinho e colocado injustamente em uma prisão. 

O monge não falava a língua dos vizinhos, então nem mesmo conseguiu explicar que estava por ali por motivos espirituais e permaneceu preso, sumariamente. Os discípulos que ficaram de levar alimento, não o encontraram mais e pensaram que o monge havia sido morto no conflito. 

Passaram-se três anos, em que o monge esteve preso em uma pequena cela, simples, solitário. Os guardas levavam alimento a ele e o monge seguia sua rotina diária: fazer suas orações, comer, dormir, sentar-se para meditar por horas a fio. Até que um dia, o conflito cessou e mandaram soltar o monge. Só que quando abriram a cela, o monge lá permaneceu, meditando. 

Os guardas estranharam. Achavam que como não falava sua língua, o monge não estava entendendo que estava livre. Pegaram o monge e o levaram para fora. O monge agradeceu e retornou a sua cela. Várias vezes, os guardas o conduziram para fora, mas o monge retornava todas as vezes para sua cela. 

Até que os guardas perceberam que o monge apenas queria continuar seu retiro. 

Ocorre que para o monge, ter sido preso injustamente, recolhido a uma pequena cela, alimentado todos os dias de forma simples, com um teto e um lugar para dormir era um grande benefício para seu retiro. Ele se sentia abençoado por terem-no acolhido ali. Não precisava se preocupar com trivialidades como conseguir alimento e cuidar de seu teto. A prisão era o lugar mais perfeito do mundo para fazer seu retiro. 

Para o monge a privação da liberdade era sua própria libertação mental. 

Compreendendo isso, os guardas deixaram que ele permanecesse ali por mais dois anos, até que o monge deu seu retiro por concluído e se despediu, retornando a seu mosteiro e seus discípulos. 


Esta história é verídica. E eu gosto de me lembrar dela quando falamos em liberdade porque o que sabemos da liberdade é uma ilusão que nos leva a decisões estúpidas, cagadas homéricas e preguiça histórica que nos deixa imóveis na merda quentinha e confortável que cultivamos com tanto apego e chamamos de liberdade. 

Liberdade para a maioria das pessoas é comer e beber sem limites, assistir porcaria na TV, não ter horário para nada, nem obrigações, ter muito dinheiro e poder para tomar suas decisões sem depender de ninguém. A grande ilusão é que tudo isso só nos leva a sermos mais preguiçosos, ignorantes, gordos, inúteis e dependentes de dinheiro, poder, lazer e diversão. É uma dependência inconsciente, pois as pessoas vão dizer que são livres perseguindo essas coisas. Se não as têm, são livre para perseguir esses "sonhos", ou seus "sonhos de consumo". 

Mas dependência não é liberdade

Não estou dizendo que você pode ser livre se andar por aí nu com a mão no bolso. Não é isso. Tenha seus bens, compre coisas, tudo bem. Mas esteja sempre alerta para o que significa isso. Estou comprando isso porque é necessário, ou porque preenche uma carência afetiva minha? Estou comemorando a sexta por quê? Odeio meu trabalho e o tédio me faz encher a cara o fim de semana todo pela ilusão de liberdade? Meus sonhos são plantados pela ilusão de liberdade? 

No fim das contas, a liberdade inventada pela sociedade de consumo só deixa as pessoas mais infelizes e presas, dependentes de padrões forçados, incutidos em suas mentes para não questionarem e continuarem produzindo, consumindo, perseguindo sua pseudo felicidade nisso. 

Tá e como fico livre se não é assim e não é nu com a mão no bolso? 

É libertando sua mente destes padrões, pequeno Padawan! Não apenas questionando intelectualmente, mas praticando o desapego a essas ideias fracassadas de liberdade e felicidade. É tomando consciência da sua prisão dourada, invisível, porém presente, a cada dia, a cada data de vencimento do cartão de crédito. 

É tirando todo o trivial e vivendo apenas a essência da vida, aquilo que ninguém pode te dar, te vender, te mostrar. Mas só você pode encontrar, se for menos seguidor de tendências e mais consciente de suas escolhas. 

Tente! É horrível nadar contra a maré de zumbis iludidos. Mas é libertador. 

quarta-feira, 12 de junho de 2024

Verônica Mars matando fadas da conveniência

Talvez você já tenha reparado a quantidade de clichês que as séries, programas televisivos, livros e filmes abraçam para satisfazer seus consumidores. Talvez você até goste destes clichês. Não te culpo, clichês são como comer a comida da sua mãe: é confortável, acolhedor e mesmo se não tiver um gosto muito bom, tem gostinho de afeto. 

Os clichês são sempre a busca pela fórmula vendável de uma peça de entretenimento. Isso ajuda a explicar porque algumas séries muito boas e originais não fazem um estrondoso sucesso e outra caem facilmente no gosto popular. Não que não tenha clichês em séries boas, mas esses clichês ocorrem com argumentos tão sólidos que se envolvem na trama e fazem muito sentido na história. 

Ao contrário dos clichês tolinhos que ficam figurando apenas como "fadas da conveniência", aquelas coincidências que acontecem para resolver o roteiro rapidamente, um personagem mau que morre, um policial que literalmente tropeça na pista, uma testemunha que viu tudo e do nada aparece para contar a história, o vilão que conta todo seu plano enquanto o mocinho está espionando...

Uma dessas séries que considero excelente e negligenciada pelo grande público é Verônica Mars. Foi lançada para a TV em um canal pequeno nos EUA, em 2004. Sim, caro leitor, na época em que mal havia vídeos na internet, você consegue imaginar a vida sem streaming? As produções artísticas e de entretenimento podem até ser excelentes, mas se não tiverem ampla distribuição e divulgação, jamais alcançarão o público. 

O contrário também acontece: produções clichezísticas amplamente divulgadas e distribuídas, que quando roda o trailer, já te dá aquela coceira. É alergia a "mais do mesmo". Arruina o cérebro, sério. 

Verônica Mars é uma série de drama, com mistério, investigações de assassinatos, crítica social, muito sarcasmo, drama e um roteiro muito bem escrito com personagens excelentes para uma história que começa no Ensino Médio de uma escola nos Estados Unidos. 

A gente vê a investigação se desenrolando sem fadas da conveniência, sem clichês forçados apenas para agradar ao popularesco, sem saídas fáceis para casos difíceis e com uma pegada firme em questões que não costumam ser retratadas com seriedade nos idos de 2004, como estupro de meninas e garotos, exposição de vídeos e fotos íntimas na internet, exposição de dados pessoais, as consequências do bullying por popularidade, por exemplo. E estas questões expostas ao desamparo da lei que na época não protegia ninguém dos abusos da internet e da negligência das autoridades policiais, que tratava meninas estupradas como aproveitadoras. 

Sabe, são questões que à época eram muito negligenciadas e a série as levanta com a força de uma protagonista mulher, inteligente, instigadora, meio maquiavélica, mas extremamente cativante. Hoje vemos personagens femininas "empoderadas" numa tentativa fraca de imitar superheroínas. Muito fajutismo feminista. E Verônica Mars tem uma natureza forte, embora apareça também em suas vulnerabilidades de forma tão natural, que as personagens girl power de hoje ficam na sola do chinelo. 

E ela tem a parceria, na verdade, uma cumplicidade incrível, com o pai, figura engraçadissima, com um grande senso de dever, que ensina a ela tudo sobre investigação e lhe dá liberdade de entrar em suas roubadas, ao mesmo tempo em que tenta protegê-la para que tenha uma vida mais próxima do normal para uma adolescente. É uma dupla que, sozinha, rende a série. Se não me engano até ganhou um prêmio de melhor relação pai e filha da TV. Se não ganhou, deveria, pois é inspiradora e os dois atores passam muita verdade. 

Outros personagens fecham o comboio. Verônica tem Wallace como seu melhor amigo e é uma amizade irmandade mesmo. Não vemos tensões amorosas em nenhum momento em sua relação. E seus namorados são peças muito interessantes também. Em particular, Logan, que cativou o público com sua veia de pobre menino rico extremamente sarcástico e rebelde, que não dá a mínima para nada, mas carrega um trem e bate em algumas caras por seu amor. 

E as investigações, nem mesmo o CSI tem um roteiro tão bom. Primeiro que, ao mesmo tempo em que ajuda o pai em investigações hardcore, Verônica resolve casos menores dos colegas para ganhar um extra na escola. E vemos como o trabalho se desenrola, sem truques cibernéticos, sem fadas da conveniência brotando magicamente. Investigação daquelas de chafurdar os confins do além e os detalhes não ditos de provas esquecidas ou negligenciadas pelo xerife vaidoso e incompetente da cidadela chamada Neptune. 

Enfim, estou revendo a série agora, por falta absoluta de encontrar qualidade ou roteiros bons em outras do Prime Vídeo. Mas, ao mesmo tempo, é interessante rever estes temas e ver que hoje são tratados de forma diferente, com outra pegada. 

E, claro, é sempre bom matar umas fadas

Crédito da foto: Warner Bros, Divulgação.


segunda-feira, 10 de junho de 2024

A capacidade humana de ser uma eterna criança fingindo ser um adulto

 Tenho escrito muito aqui sobre comportamento e várias vezes menciono a infantilidade nas relações e comportamentos humanos. Esta é uma constante que, por vezes, negamos que exista em nosso próprio comportamento. Mas está sempre lá. 

Porque a criança em nós é o Id. Sabe, da Teoria da Personalidade, descrita por nosso estimado companheiro de insônia e psicanálise, Sigmund Freud. Para resumir esta teoria, o Ego, o Superego e o Id são instâncias que formam a psique humana e vivem brigando entre si

O Id é a criança que só quer comer, brincar, cagar e prazeres da vida. O Ego é o que vai dar uma controlada no Id para adequá-lo à vida real, que precisa de convívio social, logo, algumas regras. E o Superego é o sábio em nós, tentado mostrar ao Id e ao Ego que existe mais do que necessidades básicas na vida. 

Aí, vai umas piadas sobre isso: 

O que disse o ego para o id? Não pense apenas em você mesmo! 

O que disse o superego ao id? Senta lá, Id! 

Por que o ego e o superego nunca saem para a noite? Porque eles são muito egoístas! 


Então, voltando para nossa divagação, a eterna criança em nós, esse Id, é quem sempre estraga tudo: os relacionamentos, suas metas, de trabalho, de estudos, de dieta, de qualquer coisa que exija um pouco de esforço. A pessoa com o Id dominante vive querendo apenas que seus desejos sejam atendidos e quando isso não acontece, se frustra como a criança que é. Às vezes isso aparece em formas bem elaboradas, como um mau humor, uma sabotagem, uma vingança. Mas outras vezes, vem em forma de birra, gritaria e raiva descontrolada. 

É possível enxergar essas nuances apenas se nós temos uma caminhada de autoobservação. Porque primeiro devemos olhar a coisa em nós, para depois observar nos outros. E claro, aprender a dominá-la nos ajuda a sermos humanos melhores. 

Mas, mesmo depois de uma boa dose de dominação do Id, mesmo sendo uma pessoa controlada e bastante Superego, sim, no fundo somos apenas crianças fingindo ser adultos. E quando a gente se pega chutando o balde é porque a criança birrenta, o Id tá no controle. Mas o pior é que a gente raramente se pega chutando o balde, a gente já se pega com o balde chutado e a merda toda feita. 

Então, se temos um Superego exigente, ficamos nos cobrando: porque não parei o pé antes de chutar? Mas nosso Ego vem e diz: ok você chutou por motivos nobres. E assim, a briga segue. 

No final das contas, na maioria das vezes o Id ganha. A chutação de balde continua, às vezes piora até um extremo, aí vem o Ego dá uma mediada, mas o Id é quem domina o mundo. Porque a gente consegue ver o Id nas ações dessas pessoas poderosas e bizarras, como o Putin, o Trump, Kim Jong-Un, Nicolás Maduro (engraçado, são todos homens!). 

A gente consegue ver a carência afetiva imensa dessas pessoas e o quanto precisam dominar, mostrar para o mundo, exibir seu poder, como um menino de oito anos que mostra o pinto para as meninas porque descobriu que isso causa certa comoção. 

Lógico que o pinto do menino de oito anos é um simbolismo para o que essas figuras mostram em termos de armas fálicas, obeliscos fálicos, topetes fálicos, bigodes fálicos, várias demonstrações de pintos infantis em obras adultas. Símbolos de adultos mal resolvidos e carentes

O Id é o que mostra que a humanidade não vai evoluir. Seremos todos eternas crianças birrentas, mostrando as genitálias como forma de chamar a atenção. 

sábado, 8 de junho de 2024

Por que os homens traem mais que os cães

Havia um cão. Ele se chamava Winky. Não sei se este era mesmo o nome dele, só sei que eu o chamava de Winky e ele me atendia. Olhava para mim, sorrindo, abanando o rabo. Feliz como só toda vez que me via. Winky era um cão ruivo, porte médio, pelo liso e um pouco longo. Um típico vira-lata bonito. Tinha o focinho fino e as orelhas pontudas de pé, como uma raposa. 

Era um cão muito esperto. Sabia que na rua tinha carros e somente a atravessava com muito cuidado. Winky era o cão mais esperto que eu já vira naquela rua onde eu o cuidava. Minha família tinha um mercado naquela rua e eu trabalhava nele. Todos os dias, lhe dava ração, trocava a água. Ele vinha querendo afago, brincava, caminhava ao meu lado, faceiro e contente. 

Se fosse longe, logo voltava. Eu sabia que não podia levá-lo para casa, pois já tinha mais cães que quintal, então, certo dia, um senhor que cuidava de um sítio se interessou por Winky e o demos a ele. O sítio ficava distante, quase uma hora de combi. E Winky foi na combi, feliz e faceiro, junto com as compras do mês. 

Até que três dias depois, quem aparece na rua outra vez? Ele mesmo, Winky, o cão ruivo. Feliz e faceiro. Sabe lá como, mas voltou a pé do sítio para o lugar que considerava seu lar. Eu disse que era o cão mais esperto que eu já conheci. E não só esperto, era leal. Leal como poucos humanos neste mundo. O cão mais leal do mundo. 

Winky não ficava conosco por comida, por cama quentinha, teto, dinheiro ou brinquedos. Ele apenas via em nós seu lar, seu bando. E como todo cão, Winky precisava de um bando e era leal a ele. 

Até que um dia, eu estava no mercado, quando dois clientes apareceram dizendo que Winky tinha morrido atropelado ali perto. Não é possível, pensei. Ele era muito esperto com carros e ruas. 

Mas o ser humano, este, desleal, o atropelou mesmo assim. Passou com o carro por cima dele, por querer. Não parou para prestar socorro, por querer. Nem mesmo procurou de quem seria aquele cão, por querer. O ser humano foi desleal com o cão mais leal do mundo. 

Os dois clientes, amigos nossos, se ofereceram para enterrar o Winky e sua curta e marcante história conosco se encerrou em uma cova triste. Sim, há homens leais. Mas nenhum como um cão. Nenhum como Winky. 

O homem que trai tem medo de ser dominado por sentimentos bons. Escolhe os ruins, portanto. Escolhe flutuar na superficialidade das relações egocêntricas, pautadas apenas por seus próprios prazeres. Não merece, portanto, confiança. Mas tem gente que confia. Que acha que ele é bom porque se ilude. Ou porque sabe que ele é ruim, mas acha que só com você ele não será. Porque você é especial. 

O homem que trai não vê ninguém como especial, apenas seu próprio pênis. Não pensa, pois se pensar, o pinto cai. O homem desleal não é desleal apenas com sua amante. É assim com tudo e com todos, por isso é tão visível que ele assim o será. 

O homem desleal tem traços muito evidentes: não cumpre pequenas promessas, menos ainda as grandes; tem uma baixa autoestima enrustida, que pode disfarçar com uma capacidade de sedução bem desenvolvida; quer dominar e busca o poder, nem que seja por meios desonestos; quer vantagem em tudo o que faz, mesmo que não mereça; não se importa em prejudicar outras pessoas, desde que leve alguma vantagem; pode até fingir muito bem que se importa contigo, mas você o pega nos detalhes; não está presente quando você precisa, sempre tem um compromisso; mente para os outros e espera que você o acoberte, ou esconde a mentira de você. 

Há ainda vários outros traços, mas o homem desleal sempre está no campo da necessidade de dominação sem escrúpulos, portanto tudo o que deriva disso está nos traços. Dá pra reconhecer um sem muita dificuldade, ele cheira deslealdade. Chega todo sedutor, sorriso estampador, charmoso. Você o pega na conversa, se quiser. Pergunta a ele se já traiu alguém, assim, de cara. Ele vai sorrir, tentar mudar o assunto, mas se responder, vai coçar o nariz, dizendo alguma mentira plausível. Vai olhar fixo em seus olhos e dizer que jamais faria isso contigo. Assim agem os mentirosos. 

Já o cão, ah... serzinho simples de entender. Se o cão quer te dominar, você o adestra. Ele convive contigo e te acompanha, te segue, te protege e te ama. Não exige muito. Até se você se esquecer de dar comida, ele não te cobra, não faz chantagens e manipulações. Facilmente se torna o cão mais leal do mundo. Assim como Winky era. 

Espero que você possa ter um Winky em sua vida. 

Por que sempre brigo com todo mundo - o rato interior de cada um

 Ontem, saí com alguns amigos para um rodízio de sopas. Um deles, engenheiro civil, está cuidando de uma obra cujos pedreiros dão muito trabalho, a despeito de seus esforços. E nesta semana, ocorreu uma briga entre dois dos pedreiros. O motivo: ignorância. 

A principal vulnerabilidade humana é a ignorância. Ignorar suas emoções, que são o principal condutor de seus pensamentos. As ações que o pedreiro que primeiro atacou tomou foram fruto de ignorar o que realmente ele sente em relação ao outro. Qual é sua necessidade? Dominar? Amar? Quer ser reconhecido? Ou apenas enxerga no outro algo que gostaria de ser e falha miseravelmente, por isso desconta sua frustração nele? 

A formação em engenharia falha em muitas coisas, a principal é que ninguém ensina a esses pobres profissionais que terão de ser psicólogos para mediar conflitos na equipe. Que trabalhar com acadêmicos é até fácil, pois eles são razoavelmente menos ignorantes emocionalmente. Mas trabalhar com trabalhadores de escolaridade baixa é extremamente problemático. 

É o nível mais baixo da roda dos ratos. Aquele nível em que eles apenas correm, correm e nunca chegam nem na ilusão de que vão chegar, pois são dependentes de seus vícios e paixões. Muitos são literalmente viciados, álcool, drogas, pornô, música ruim com péssimas mensagens (leia-se sertanejo popular e funk pessimista). 

Este blog não é nenhum meio de auto ajuda, pelo contrário. Estou aqui para provocar, distribuir tapas na cara, com verdades difíceis de digerir. E iningolíveis. 

Então se você é dessas pessoas que briga com todo mundo, esteja bem certo que o problema é todo seu. Você é a pessoa ignorante que implica por um copo de refrigerante, porque não reconhece que sente a necessidade de dominar. É uma criança frustrada que nunca dominou merda nenhuma na própria vida, por isso, esbraveja com todo mundo, culpando deus e o mundo por sua péssima educação e autopercepção. 

Se você briga com todo mundo, tenha certeza de que é uma pessoa patética. As pessoas inteligentes olham para você com pena. Você jamais será melhor que um pobre inseto tentando chegar na luz e morrendo ao se deparar com o calor dela. Você nem mesmo está pronto para a luz. Provavelmente a coisa mais perto de melhoria pessoal que vai conseguir será trocar seus vícios em álcool, drogas, pornô e música ruim por uma dessas igrejas evangélicas de brejo, que te oferecem a salvação fácil: basta acreditar e seu deus imaginário, benevolente, porém vingativo. 

Claro que existe outro caminho, mas este, uma pessoa ignorante, que briga com todo mundo por mesquinharia não está disposta a alcançar. Porque este caminho significaria abrir mão da fuga confortável dos vícios. Implica sentar-se e ouvir o que tem dentro de si. Entender seu demônios e começar a domá-los um a um. 

Ah... este é um processo lento, difícil e doloroso, conhecido como zen

O quê? Você achou que zen fosse calmo, lindo e tranquilo? Vou puxar seu tapetinho imaginário de conto de fadas. Não é. 

E é por isso que nunca tem muita gente praticando, meditando. Porque quando percebe que é dureza, pula fora, vai procurar a paz nutella, o mindfulness, Yoga na prática física, coisas assim que só iludem a mente com uma pseudopaz. Ou as igrejas cristãs com seus salvadores imaginários. Se você gosta de ser a eterna donzela em perigo que precisa de um salvador, seu caminho é este. Iluda-se com seu príncipe. 

Agora, se você quer mesmo dominar sua vida e suas emoções e não ser dominado por elas, o caminho é matar seu salvador e salvar a si mesmo. Matar metaforicamente, é claro, num processo de libertar -se desta ideia ilusória de que "alguém tem que me ajudar", "eu sou especial", "sou do povo escolhido". 

Essa ideia falsa e aprisionante de que sua vida depende de uma figura externa a você, mais poderosa, mais magnânima e mais inteligente, que vai te pegar pela mãozinha ou te carregar no colo quando você precisar. Isso, que você chama de deus, de guru, a figura da mãe, do pai, do chefe, do governo, do protetor, do salvador, não existe. É só sua imaginação. 

Claro que não é porque é sua imaginação que é falso. Pelo contrário. A imaginação é um ativo muito poderoso que os humanos possuem e que pode construir e destruir a si mesmo e ao mundo. E é por isso que devemos entendê-la e dominá-la. 

Porque se deixar a imaginação nos dominar, seremos eternamente os ratos correndo na rodinha, esperando chegar a algum lugar indicado por nosso salvador, o príncipe encantado, a mãe, o pai, seu deus, seu guru. Nunca botaremos a cabeça pra fora desta gaiola. 

A imaginação é um domínio humano e quando não a controlamos, são as convenções sociais que a controlam, a cultura popular incute imagens na nossa mente e nos tornamos apenas ratos obedientes. E temos até a ilusão de ter liberdade, pois o pão e o circo (leia como sextou, churrasco, álcool, drogas, pornô e música ruim) é permitido aos ratos no fim de semana. 

Então, se você quer continuar sendo um rato obediente e frustrado, que briga com todo mundo e acha que é porque a culpa é deles de te encherem o saco, continue correndo infinitamente, sextando obedientemente, alimentando seus vícios como um bom seguidor capitalista do consumo feliz. Continue sua vidinha de rato. 

Mas não sei... talvez você queira liberdade de verdade. Dói e é solitário, muitas vezes. Mas depois de algum tempo, a felicidade construída na verdadeira liberdade não morre, não depende de nada externo, é cultivada e mantida dentro de si. E ninguém lhe tira. 

A escolha é sua

domingo, 2 de junho de 2024

A liberdade de ser ninguém na fila do pão

 Ainda me lembro de uma figura comum nas tardes de domingo. Chamava-se Faustão e ocupava a grande da TV aberta em um canal bastante popular comum programa popularesco de auditório, Domingão do Faustão. Revelava artistas, tinha grande influência em suas carreiras. Logo, era disputadíssimo e brilhar no palco do programa era deslanchar na carreira. 

Isso em anos 1990, 2000, por aí. Depois, o programa foi caindo em desuso pela classe artística que passou a dispor da internet e das mídias sociais para se promover e se autopromover. 

Eu me lembro do Faustão, especificamente por uma frase que ele dizia: Um dia toda a plateia vai estar no palco e ninguém vai estar na plateia, pois todo mundo quer ser famoso. Ora, será que ele estava prevendo a ascensão dos influenciadores digitais? 

Obviamente ele não era tão digno de nota em sua capacidade cognitiva, então, acho que só o que ele queria dizer é: todo mundo quer ser famoso porque vê na TV esse "glamour" e acha isso bom. Acontece que as mídias sociais vieram para mostrar que a TV não importa mais tanto assim. E famosos aos milhares aparecem todos os dias. Tem muito famoso quem, mas também tem muita gente que não quer aparecer. 

Celebridades de internet ultra-nichadas. Quem nunca se deparou com o cartaz de um evento anunciando que Fulano, Ciclano e Beltrano vão estar lá e se perguntou quem eram? Hoje as celebridades são tão ultra-nichadas que, do nada, aparece um amigo hipster do seu lado, dando gritinhos de alegria porque Zé Fulano está no evento. E você achava que conhecia a bolha do seu amigo hipster, mas, de repente, se vê boiando sobre quem seria Zé Fulano. 

E por que saber quem é Zé Fulano é tão importante assim? - acabo me perguntando, pois justo eu, tenho ojeriza à ideia de celebridade, salvadores, endeusamento e idolatria. Só faz sentido saber quem é esta celebridade se você quer participar da bolha em questão. 

Ah... as bolhas. E o que são bolhas? Esses grupinhos que antigamente chamavam de tribos e só se identificava na adolescência. Mas agora que uma boa parte do mundo se esqueceu de crescer, a ideia adolescente de tribos se transformou em bolhas. Grupinhos que se identificam por um jeito de vestir, de falar, de se comportar, aparência similar, ídolos similares, ideias muito mais do mesmo similar. 

Comportamento de bolha, então, se torna tudo aquilo que essas pessoas fazem para se manter na bolha. E, acredite, são as coisas mais simples, como os canais de YouTube que seguem, e as coisas mais bizarras, como assassinar um cachorro e desenhar uma baleia na pele com estilete. 

Não são pessoas livres, pois estão na bolha e se a estourarem, serão afastadas com indiferença, bloqueio de perfil e até mesmo cancelamento online. O medo de não pertencer é constante e faz essas pessoas agirem como ratos em laboratório, hamsteres correndo em rodinhas até aceitarem que a bolha do Prozac é bem normal e bem-vinda. 

A ideia toda de identidade aprisiona estes seres, pois se forem excluídos da bolha, quem serão? O que farão de seu cabelo, o que vestirão? Que livros vão ler, que séries assistir? Com quem vão conversar sobre o mais novo episódio de Master Cheff, ou comentar sobre a mais nova tendência na cerveja artesanal? 

Quando você olha para os lados e vê apenas pessoas iguais a você, meu conselho é fuja. Fuja rápido e para longe. Sem olhar para trás. Porque sua vida vai ser só triste e monótona. Sua ilusão de pertencer vai te levar ao vazio criado pela identidade falsa. Você será apenas um falsário de si próprio. 

A liberdade não é concedida por ninguém, é tomada à força. 

É uma ideia da qual as mentes vivazes absorvem a essência repudiando rótulos, bolhas, identidades, similares, unanimidades. Toda unanimidade é burra, já dizia alguém muito importante que infelizmente esqueci quem é. 

Só tem liberdade quem tem coragem. Coragem de furar a bolha, de questionar a identidade, de abandonar seus rótulos e deixar de esperar likes e comentários nas mídias sociais para se sentir influenciador. Não vou usar o clichê de "ser quem você é", porque a maioria das pessoas infelizmente não sabe quem é, nem o que quer. Só sabe do que gosta e do que não gosta e isso não define ninguém. 

Gostar e não gostar é a receita para a eterna insatisfação e sofrimento. Se você apenas aceita o que tem para hoje, independente de gosto, se adapta e se move naquilo, buscando o que há de melhor, não no outro, mas em si mesmo com aquela situação, você domina as circunstâncias que causam o sofrimento. E aprende a ser livre. 

Liberdade é ser ninguém na fila do pão e amar isso. 

Quem se importa?

 Ontem terminei de ver uma série chamada Um Cavalheiro em Moscou, baseada em um livro homônimo, escrito por Amor Towles, uma cara de depois de fazer carreira no mercado financeiro, tornou-se escritor em tempo integral. Ou seja, vive o sonho da vida de todo escritor: escrever sem se importar se isso vai dar dinheiro ou não, pois já tem dinheiro para se manter. 

Não li o livro, apenas vi a série no catálogo da Paramount e como tinha terminado um drama coreano sobre vingança e terminado apenas um filme bom sobre a naturalidade da morte na natureza, dentre tantos outros começados e não finalizados por absoluta incompetência roteiristica, a série me pareceu muito bem roteirizada. 

O roteiro, caros, é o que importa nos filmes e bons personagens são o que sustentam o bom roteiro. Na série um dos bons personagens que vemos é Mishka, amigo próximo do protagonista, o Conde Alexander Rostov. O contexto é a Revolução Russa, que estourou em 1917 e eliminou rapidamente os títulos de todos os nobres e toda a ordem aristocrática e monárquica até então estabelecida, transformando os nobres em criminosos, automaticamente. 

Alexander, o Conde, acaba sendo condenado por um tribunal bolchevique à prisão domiciliar e como ele estava vivendo em um hotel desde que sua casa havia sido incendiada, como a de vários nobres, em 1917, sua prisão passa a ser o próprio hotel, mas em um pequeno quarto do sótão. 

De cara, percebemos que este Conde não é um nobre esnobe qualquer, quando ele encara positivamente as mudanças, sem se afetar, ou reclamar, apenas mantendo sua dignidade, enquanto soldados sem hora marcada entram para revistar seu quarto e uma espécie de carcereiro carrancudo o vigia de perto, fazendo-lhe questionamentos e comentários que podem até ser considerados rudes, mas são apenas fruto de sua formação. 

E a história se passa entre 1922 e 1954, acompanhando este contexto de revolução e mudanças na política, economia e sociedade russa. 

Voltando a Mishka, este é um revolucionário de carteirinha. Um cara que pregava tomar todos os bens dos ricos para distribuir aos pobres, dividir suas terras e eliminar quem não colaborasse. Aleksander a princípio está desgostoso com ele, por suas ideias radicais e por um assunto do passado que os dois tem em comum. Mas logo, percebemos que a amizade é maior que questões políticas ou erros do passado. 

Mishka é extremamente leal a suas ideias, aos seus amigos e a si próprio. A ponto de se ferrar por conta de suas convicções. Afinal, nenhuma revolução violenta aceita opiniões divergentes. Ele é preso, enviado a um gulag e só sai de lá depois da morte de Stalin. 

Quando reencontra o Conde, está exausto e desgostoso com os rumos que seus ideais tomaram. O partido o expurgou como um criminoso e agora briga pelo poder. 

As decisões acerca da economia russa são catastróficas e provocam a fome, a miséria e a morte de milhares nos campos que outrora eram administrados pelos nobres, mas agora pertencem às comunas. Os nobres não estavam fazendo um excelente trabalho ao administrar suas terras e o governo, formado por nobres, também não ajudava, recusando-se a um investimento em tecnologia agrária que pudesse melhorar as condições de vida da população. Ou seja, a revolução de 1917 teve início na incompetência acumulada em décadas de má gestão. Só que a gestão comunista não fez melhor. 

As comunas não sabem administrar os campos. O governo coloca operários para cultivar alimentos e gerenciar as colheitas, sem nenhuma experiência. Por ter a ilusão de autossuficiência, a Rússia recusa inovações tecnológicas que possam melhorar a produção de alimentos. É um contexto que leva a um Estado quebrado, que sobrevive de aparências iludidas. O povo, que tanto foi usado na revolução, morre de fome em campos sem produção. 

E Mishka, após anos sendo leal ao partido, preso e expurgado por isso, vê seu sonho de igualdade, de fim da miséria e distribuição justa de recursos, reduzido a uma utopia nunca alcançada. E então, ele se despede da proteção do amigo, deixando apenas uma frase, quando perguntado aonde vai: 

"Quem se importa?"

A série tem muitas frases que te fazem refletir e duas mostram bem a personalidade do Conde: "Se a pessoa não dominar suas circunstâncias, ela é dominada por elas" e "O mais certo sinal de sabedoria é o contentamento constante". Mas, o "quem se importa?" do Mishka trouxe uma dimensão política avassaladora para as reflexões que a série traz. 

Primeiro: não é por acaso este contexto polarizado de uma revolução que rapidamente mudou toda a Rússia. Isso não era novidade há um século, assim como hoje, ainda é atual. Vivemos a ascensão dos partidos radicais de direita, teorias conspiratórias e ideias para revolucionar o mundo com armas e militares, porque estas polaridades são típicas do humano mediano, frustrado em sua ideia de dominar seu meio, com emoções infantis mal resolvidas. Ou seja, estão sempre lá no humaninho medíocre, prontas para aflorar quando um degenerado qualquer com ideias megalomaníacas de controle mundial e espírito patriótico surgir (e aqui nem estou falando apenas de Hitler). 

Segundo: "Quem se importa?" deveria ser uma frase repetida como mantra histórico. Pois ao final de toda revolução violenta, há apenas a dívida e a miséria. A história, para quem a conhece, está aí para confirmar isso. Mas os humaninhos medíocres sempre acham que farão diferente, pois acreditam em sua superioridade. 

Terceiro: "Quem se importa?" poderia até ser niilista, mas eu considero o niilismo uma ideia fraca de uns coitados depressivos. Porque o "quem se importa" significa muito mais do que "olha, sou um pobre depressivo porque tinha ideias de poder que foram frustradas". "Quem se importa?" significa a libertação dessas ideias que levam a humanidade a lugar algum. O humaninho medíocre sempre se encontra preso, acorrentado a ideias que já se provaram fracassadas, mas ele insiste que com sua superioridade podem ser melhoradas.

 

Mas a realidade é que se você deixa de se achar o umbigo do mundo e passa a entender que realmente ninguém se importa, você está livre destas correntes. Deixe de ser medíocre, humaninho! Deixe de querer a atenção de seu pai e sua mãe como criança frustrada que você é. Cresça! 

Enfim, a frase final de Mishka vem para nos jogar na cara esta realidade. A política que não importa, pois está em constante mudança e os humaninhos que topam jogar seu jogo querem apenas beneficiar seus próprios interesses. Os partidos que apenas são um microcosmos dos conflitos humanos e suas emoções infantis. Os governos que carecem de racionalidade e estratégias, pois vivem ao jugo dos partidos e interesses individuais. A sociedade que ignora como funciona um sistema político e sustenta ideias fantásticas de mundos fabulosos que não existem. 

Ninguém se importa, pois tudo muda e não temos controle de nada. Apenas o desejo infantil de reorganizar o mundo, como se fosse uma brincadeira de lego. 

Fonte: Divulgação Paramount, Um Cavalheiro em Moscou, para resenha. 


terça-feira, 28 de maio de 2024

Sobre o gozar e a dificuldade de se adaptar ao envelhecimento

 Sabe qual é o pior tipo de velho? É aquele que quando era novo tirava sarro dos mais velhos. Porque ele cresceu achando a velhice ruim. Cresceu achando que seria eternamente jovem e nunca mudaria. 

Mas, fato da vida é que ninguém neste mundo está ficando mais novo. E o adolescente que hoje tira sarro dos idosos, um dia será idoso também. A menos que morra, aí, pelo menos, vai ser um velho ranzinza a menos no mundo. 

O passar do tempo é de uma inevitabilidade marcante. Mas então por que nos apegamos à uma imagem tão breve quanto é a da juventude? Será que o ser humano é tão ignóbil assim a ponto de tentar parar o tempo? 

Tempo é como água, você pode tentar segurar nas mãos, mas não vai conseguir. Vai fenecer no processo. E quanto mais tentar, quanto mais se esforçar, pior vai ser seu fenecimento. Será um velho do pior tipo. Aquele que range os dentes porque os joelhos rangem. Que acha que é o único a sentir dores articulares e o peso da idade. Que anseia por um implante capilar, um novo tratamento antirrugas, um modo de deixar a próstata enxuta, hormônios para não perder testosterona, para superar a menopausa. 

O decaimento do corpo é sutil, mas nem sempre suave. É um encontrar-se branco onde era preto. Enrugado onde era liso. Frágil onde era forte. O broxável no imbroxável. 

E o gozo que antes era constante, saudável, jorrava e espirrava, agora é raro. E se não for é apenas falso. Pílula azul. 

O pior velho é aquele que queria, mas não goza. 

Porque aprendeu o gozar apenas no predomínio fálico e não transferiu o gozar para a vida inquietante e mágica. Porque em vez de apreciar, conviver, amar e se deslumbrar com o novo, dia após dia, reclamou, odiou o mais velhos e quando envelheceu, odiou por inveja os mais novos. Perdeu a chance de se surpreender com o belo no simples, com a nobreza na atitude serena e compassiva do aceitar que o tempo passa. 

E que o gozar muda de objeto. Se o objeto óbvio do gozo jovem era o sexo. Na velhice, o gozo é atitude, é a sabedoria, a nitidez que a experiência acrescenta sobre a vida. O simples entender que a ansiedade de estar sempre certo e querer resultados rápidos morre muito rápido. 

Na medida em que o gozo muda de objeto, entendemos que o prazer da vida é o simples viver. Encantar-se pela surpresa diária de se ser quem é, sem esperar ser o mesmo. Que estar sempre certo é um grande erro. E que resultados rápidos tiram o prazer da jornada do aprender. 

E que ninguém nem liga para você tanto quanto você gostaria. Você acha que todos te olham e te vigiam. Que comentam sobre você e te acham incrível ou detestável. E mostram comentários do Instagram para provar que sim, as pessoas se importam. Bem, a realidade é que se você excluir seu perfil, ninguém vai vir na sua porta perguntar o motivo. 

Ninguém se importa contigo por um tempo maior que um rápido clique. E se você acha isso cruel é porque nunca foi livre de verdade. Porque liberdade é agir como se ninguém se importasse. Ser o que se é, sem prestar contas, nem criar ou ter expectativas. 

Liberdade é gozar ao infinito, a vida inquietante, mágica e impermanente. 

Frequentadores de academia: personagens ou gente real?

Olha, já gostei muito de frequentar a academia. Aquela de ginástica, não a de cérebros. Mas hoje, depois das lesões nos joelhos, tenho tido repetidas tentativas de retornos e desistências, porque a motivação que eu tinha antes das lesões, miou. E motivação é tudo, te dá energia, alegria, mesmo na contrariedade. 

Hoje, a única coisa que me diverte na academia é observar as pessoas, um hábito que adquiri desde criança e hoje atribuo ao meu autismo. Eu não sabia como me comportar, então observava e copiava. Com o tempo, passei a entender mais de gente, fui para o teatro e comecei a escrever histórias de ficção com centenas de personagens. Me interessei por psicologia. 

E assim, minha observação de pessoas passou a ser mais técnica, mais profunda. A academia é um lugar fascinante de observação e reitera algo que eu tinha observado em retiros de silêncio: todos acham que estão sendo observados pelos outros, mas ninguém olha para ninguém, apenas para si próprio. 

Isso é muito curioso! Fica bem evidente na vestimenta, maquiagem, olhares furtivos, inclusive no espelho. As pessoas querem ser notadas. Mas não se esforçam para enxergar os outros. A menos que seja para criticar. Aí...

Vamos aos personagens
Tem um rapaz na academia que frequento que entre os próximos foi apelidado de GI Joe. Sim, aquele bonequinho militar dos comandos em ação, uma franquia de brinquedos que virou desenho e filme para catapultar as vendas. 

E porque o apelido? Primeiro, porque, de acordo com o que eu soube, ele é um entusiasta das forças armadas. Usa umas roupas camufladas, tem um jeitão marrudo e gosta de conversar sobre forças militares. Mas ele não é militar. Dois militares veteranos que frequentam a academia já conversaram com ele e atestaram que o cara é só um fanático, não tem nenhum histórico em nenhum órgão militar. 

Daqueles militares de boutique. 

O que leva ao segundo motivo: as roupas que ele usa. Bem aí, eu comecei a chamar a figura de GI Joe Barbie, porque ele vai dos camuflados aos microshorts colados na cor branca, de um dia para outro. Usa um mp3 player rosa e um óculos vermelho, mesmo dentro da academia. Aparentemente, calças coladas são muito seu estilo. E coladas daquele jeito que dá até para saber se a pessoa tem uma ou duas bolas. 

Ou seja, a figura é só estilo! Uma mistura de GI Joe e Barbie, duas influências muito distintas para um personagem apenas. Mas seu comportamento também é digno de nota: nos dias mais inspirados, ele puxa cargas altas e depois de soltar, ele berra com o aparelho. 

Ele nunca vai saber, mas ir à academia e observar o figurino do dia do GI Joe é uma motivação muito importante para essa atividade tão chata. Como disse, adoro observar pessoas e ver nelas, personagens, me deixa realmente com mais animação do que as músicas puntz puntz que insistem em tocar nesses lugares. 

Hoje, vi uma senhora que aparenta ter já seus 60 anos, com uma roupa macacão estampada. Muito compenetrada em seu treino, parecia uma hard worker, com seu fone de ouvido e celular rolando vídeo, sem se distrair com ele. Tem outra senhora, de 86 anos, que faz musculação e Karatê. E tem as moças, de vários estilos: as gordinhas que querem emagrecer; aquelas com personal que parecem sementes de atletas; aquelas "bumbum na nuca" que vão bem maquiadas com roupas coladas e curtas; aquelas mais simplonas, tipo camiseta e calça. 

De homens, tem alguns senhores cabeça branca: uns bem fortinhos; outros barrigudos. Tem alguns veteranos fortes também. Mas a maioria é de rapazes em busca de shape. Uns mais discretos, do tipo short e camiseta e outros do tipo selfie no espelho, regata bem cavada. Tem um rapaz, cabelos encaracolados e óculos, camisetas nerd. Vai todos os dias bem cedo. O que prova que nerds não derretem se vão para a academia. 

Estas observações me ajudam um pouco a diminuir o tédio absoluto de continuar frequentando a academia, pois minhas motivações que uma vez eram: vou estrelar uma peça de teatro musical; vou fazer um endurance; vou fazer o Caminho de Santiago; hoje são apenas: vou fazer esta merda para tentar adiar a artrose até os 60 anos. 

Não é uma boa motivação, confesso. Mas não existe teatro musical para cadeirantes. O mundo é cruel com aqueles que não têm saúde. Por isso, se você tem, esforce-se para não perdê-la. Porque uma vez perdida, recuperar é mais difícil, e por vezes, impossível.